terça-feira, 16 de novembro de 2010

Isto Dá-me Sorte

Hoje está frio o que deixa pouco espaço ao optimismo.
Por isso penso no que me deixa feliz, e vem-me à memória uma frase de uma amiga minha que inverto, e sorrio a pensar no que me dá sorte, e o que me dá sorte é ter este abrigo onde me aquecer.
Ainda bem que é Inverno e faz frio e apetece estar em casa, em muitas casas onde se é muito bem recebido, e o calor que nestas casas se sente derrete todo o frio que lá fora faz, e sou feliz muito feliz.
E penso isto dá-me sorte!!

Até qualquer dia!

Minhas Queridas Senhoras Donas
Do meu coração.
A Dona Susette vai dar um passeio,
Fazer uma viagem,
Visitar outras paragens.
Tem pena de partir, mas tem de ser.
Volto qualquer dia, cheia de novidades, com certeza.
Quem sabe até se com outro nome.
Beijo-vos a todas, cheia de saudades, já.
Até qualquer dia.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

E ainda... só para terminar. Depois prometo que é só optimismo!



Portugal


Ó Portugal, se fosses só três sílabas,

linda vista para o mar,

Minho verde, Algarve de cal,

jerico rapando o espinhaço da terra,

surdo e miudinho,

moinho a braços com um vento

testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,

se fosses só o sal, o sol, o sul,

o ladino pardal,

o manso boi coloquial,

a rechinante sardinha,

a desancada varina,

o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,

a muda queixa amendoada

duns olhos pestanítidos,

se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,

o ferrugento cão asmático das praias,

o grilo engaiolado, a grila no lábio,

o calendário na parede, o emblema na lapela,

ó Portugal, se fosses só três sílabas

de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,

rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,

não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,

galo que cante a cores na minha prateleira,

alvura arrendada para o meu devaneio,

bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,

golpe até ao osso, fome sem entretém,

perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,

rocim engraxado,

feira cabisbaixa,

meu remorso,

meu remorso de todos nós...


A. O'Neill

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não. 
Nem é ditosa, porque o não merece. 
Nem minha amada, porque é só madrasta. 
Nem pátria minha, porque eu não mereço A pouca sorte de nascido nela.  
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela, saudosamente nela, mas amigos são por serem meus amigos, e mais nada.  
Torpe dejecto de romano império; babugem de invasões; 
salsugem porca de esgoto atlântico; 
irrisória face de lama, de cobiça, e de vileza, de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo ranger no nevoeiro a nau do Encoberto; 
terra de funcionários e de prostitutas, devotos todos do milagre, castos nas horas vagas de doença oculta; 
terra de heróis a peso de ouro e sangue, e santos com balcão de secos e molhados no fundo da virtude; 
terra triste à luz do sol calada, arrebicada, pulha, cheia de afáveis para os estrangeiros que deixam moedas e transportam pulgas, oh pulgas lusitanas, pela Europa; 
terra de monumentos em que o povo assina a merda o seu anonimato; 
terra-museu em que se vive ainda, com porcos pela rua, em casas celtiberas; 
terra de poetas tão sentimentais que o cheiro de um sovaco os põe em transe; 
terra de pedras esburgadas, secas como esses sentimentos de oito séculos de roubos e patrões, barões ou condes; 
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém: eu te pertenço. 
És cabra, és badalhoca, és mais que cachorra pelo cio, és peste e fome e guerra e dor de coração. 
Eu te pertenço mas seres minha, não.                                   
Jorge de Sena

País relativo

País Relativo,
País por conhecer, por escrever, por ler...
País purista a prosear bonito
A versejar tão chique e tão pudico,
Enquanto a língua portuguesa se vai rindo
Galhofeira, comigo.
....
país engravatado todo o ano
e a assoar-se na gravata por engano.
....
País amador do rapapé,
do meter butes e do parlapié,
que se espaneja, cobertas as miúdas,
e as desleixa quando já ventrudas.
O incrível país da minha tia,
Trémulo de bondade e de aletria
Moroso país da surda cólera
Do repente que se quer feliz
...
País do eufemismo, à morte dia a dia
Pergunta mesureiro: - Como vai a vida?
País dos gigantones que passeiam
A importância e o papelão,
Inaugurando esguichos no esgonço
Do gesto e do chavão.
E ainda há quem os ouça, quem os leia,
Lhes agradeça a fontanária ideia
...
Nhurro país que nunca se desdiz.
...
A Santa Paciência, país, a tua padroeira,
Já perde a paciência à nossa cabeceira
País pobrete e nada alegrete,
Baú fechado com um aloquete
Que entre dois sudários não contém senão
A triste maçã do coração
País das troncas e delongas ao telefone
Com mil cavilhas para cada nome
...
Embezerra país, que bem mereces,
Prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.
...
Estrela trepa trepa pelo vento fagueiro
E ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.
Hexágono de papel que o meu pai pôs no ar,
Já o passo a meu filho, cansado de o olhar...
No sumapau seboso da terceira,
Contigo viajei, ó país por lavar,
Aturei-te o arroto, o pivete, a coceira,
A conversa pancrácia e o jeito alvar
Senhor do meu nariz, franzi-te a sobrancelha;
Entornado de sono, resvalaste para mim.
Mas também já me ofereceste a cordial botelha,
Empinada que foi, tal e qual clarim!
A. O'Neill

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Epifanias de atoalhados

Para as minha amigas que andam a ter problemas com toalhas:
Caríssimas, eu própria já atirei a toalha ao chão, se bem me lembro, pelo menos umas 3 vezes.
Asseguro que correu sempre bem, e que há momentos em que se não o fizermos as decisões seguintes serão merda da grossa.
Depois uma das partes boas de nos livrarmos das toalhas é que nos vamos dando conta de imensas coisas importantes e significativas que existem nas nossas vidas.
O que proponho então é uma lista, que espero que as minhas amigas acrescentem ao longo do tempo em que andarem a pisar, pontapear, cuspir e maltratar a estúpida da toalha.
Aqui vai então a lista das minhas epifanias de atoalhados.
- às vezes esqueço-me de respirar
- muitas vezes ando pela rua mais depressa do que é preciso
- a minha gata tem expressões faciais
- a teoria das Super-Cordas tem inúmeras aplicações no quotidiano
- todos os dias as aranhas fazem teias muito fininhas no estendal
- a máquina de lavar roupa não gira sempre para o mesmo lado
- fumar 3 cigarros de seguida em frente ao espelho pode ser tão válido como ler Nietzsche e Sartre
- o queijo que apodrece no frigorífico não por falta de tempo para o tirar mas porque gramo bolor e gosto de ver as suas mutações
- e que na realidade não controlamos nada na vida

Aqui estão algumas das minhas epifanias. Alguém se anima a juntar algumas à festa??

Inveja

A amiga telefona-me para contar as novidades.

Está muito apaixonada e essa paixão é perfeitamente correspondida.

Dentro de mim inicia-se imediatamente um lamento de pseudo-análise comparativa, completamente idiota:

Tudo o que na história da minha amiga existe em abundância, entre mim e o homem, é escassez.

Se o par da minha amiga procura aberta e constantemente um pelo outro, eu e o homem fingimos casualidade e desprendimento no reencontro, como dois adolescentes parvos.

Se o outro par amoroso troca mensagens ternurentas a todas as horas, entre mim e o gajo, a comunicação à distância reduz-se a uma reles mensagem de dois em dois dias.

Se o sexo entre a minha amiga e o seu prometido é imediatamente íntimo e estonteante; entre mim e o coiso, ele é o espelho da assimetria afectiva e sentimental que grassa entre nós os dois.

Se o supremo casal do lado não consegue evitar tocar-se constantemente; entre mim e o... o.... trava-se a luta que já sabemos.

(Sempre que procuro o contacto físico não-sexual, o homem por quem estou apaixonada entrega-se a uma crise de espasmos, comichões, agitação, e desconforto psico-físico geral. Convulsão que me dá um enorme prazer apaziguar.)

Ou seja.

A inveja que sinto das minhas amigas, que tanto amo, é atroz.

Eu coloco-me sempre no fim da fila, como se nada do que me fosse devido me fosse dado. Pior. Como se a vida fosse sempre mais caridosa com os outros que comigo.

Sei que ambos os lados deste espelho, tão pobre, são uma ilusão.

Tanto a face de cá que me engana, soprando-me ao ouvido que não tenho nada – quando na verdade tenho quase tudo – como a outra face que sorrindo, sádica, me agride com imagens alheias de perfeição tão improváveis quanto as razões da minha decepção, e do meu ressentimento.

Se alguma inveja (dizem os livros) serve para nos tornar conscientes das nossas próprias limtações, talvez a mim sirva para me mostrar quão incapaz sou de avaliar e reconhecer as verdadeiras circunstâncias e factos da minha vida.

A minha inveja, dá-me a medida exacta da minha ingratidão, da minha cegueira, da minha infantilidade, e do meu egocentrismo.

Do meu medo.

Da incapacidade de reconhecer que um homem está apaixonado por mim e me deseja; e de fruir disso.

Da incapacidade de me regozijar com o que recebo todos os dias de tantos lados, de tanta gente que gosta de mim;

MAS, e é o que mais me assusta:

Da incapacidade de OUVIR e genuínamente RECEBER o que a amiga partilha tão feliz comigo ao telefone, preferindo entregar-me a esta parvoíce sem tamanho de só olhar para o meu próprio umbigo, e para a minha vidinha tão difícil, ai que merda, coitada de mim tenho mesmo um azar, é tudo prós outros, caralho.

A verdade, é que a minha amiga tem o que merece.

E eu também.

E não é nada pouco para nenhuma das duas.

Transbordamos de razões para nos abraçarmos e beijarmos e olharmos olhos nos olhos uma da outra e reconhecer que nos amamos, e que a vida nos tem amado muito também.

É mesmo como dizes, amiga: "Ás vezes só me apetece é abanar as pessoas!"

P.S: Eh, lá. Isto anda para aqui um cheirito de Mulher Católica... ou é só impressão minha? ai, que tu tens é de agradecer todos os dias o que a vida te dá, e o caraças... hum?

terça-feira, 26 de outubro de 2010

atirar a toalha ao chão 2


Queridas e amadas senhoras,


Notando-me ultimamente (e olhem que não é de hoje):

- ausente de mim;

- ansiosa por não-sei-o-quê;

- receosa e mais receosa ainda de me estar a tornar receosa;

- saudosa de mim;

- saudosa de vós e da vossa companhia;

- saudosa de um tempo livre e meu que, aliás, vendo bem, vendo bem, nunca tive;

- saudosa de ler, ouvir música, pintar, brincar e picotar;

- dolorida no meu corpinho todo da puta da tensão;

- cansada até mais não poder;

- chorosa e hipersensível;

- com azia;

- bipolar principalmente ao levantar e ao deitar;

- falsamente funcional enquanto desvario por dentro;

- sequiosa de descanso, cuidado, sono, pensamento, divagação, prazer, comunicação e perda de tempo (ou ganho consoante se veja a coisa);

- muito preocupada com questões existencialistas;

- pouco preocupada com produtividade

e sem tempo para cortar as unhas


... venho anunciar-vos em segunda mão que vou atirar a toalha ao chão.


E ai de quem ma apanhar!!! Vou folgar!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


É já partir de Dezembro. Para já, por dois meses.

Depois, logo veremos.


Desejo uma outra arquitectura nos meus dias, mais rebeldia no meu caminho e uma cartografia política diferente dos meus passos no mundo


love you

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Vinis e Colossos

Durante muito tempo senti-me entre mundos diferentes sentia-me como se tivesse permanentemente de fazer a ponte entre duas realidades quase incomunicantes.
Acho que me senti assim desde muito pequena. No livro “As 7 maravilhas do mundo” do Circulo de Leitores era sempre a imagem do Colosso de Rodes que mais me impressionava, ficava horas a olhar para ela.
Senti sempre que tinha de fazer a ponte entre o mundo organizado, rotineiro, moralista, antigo e das conversas de chacha, das pessoas medíocres, das anedotas xenófobas, dos comentários pequeninos e o meu próprio mundo.
Durante muito tempo senti-me assim, e não o digo com orgulho pois durante muito tempo senti que estava dividida e ás vezes desestruturada, outras vezes não sabia de onde vinha aquela minha visão do mundo nem porque pensava ou sentia daquela forma.
Depois descobri alguns pares e aí comecei a sentir que fazia a ponte entre um mundo "mais normal" e outro mundo mais sensível mais profundo mais questionante. Também me trazia bastante angustia pois tentava permanentemente trazer a compreensão para ambos os lados.
Há pouco tempo uma amiga ao ver-me numa situação particular chamou-me a atenção com um comentário (como só ela tão assertivamente sabe fazer) e disse: "Epá estavas com um ar tão vendido, tão próprio”.
Fiquei lixada, depois surpreendida, depois revi-me totalmente naquelas palavras e fez-se um click, e pensei “realmente para que raio tenho de ser tão formal e impingir-me a mim própria estes papeis?”
Agora, olhando para trás, sinto que realmente me estou a cagar que finalmente sem me dar conta optei pelo lado B do vinil. Sinto que parei de virar o disco no prato e que as músicas que passam no lado B apesar de menos conhecidas e mais dissonantes são as que melhor sei trautear e que as posso trautear onde bem me apetecer sem que isso me desestruture.
Também me dei conta que já há algum tempo deixei de sentir a angustia de ter de fazer a ponte, de ter de permanentemente optar por um lado ou pelo outro.
Imagino que se eu fosse o Colosso de Rodes com certeza iria unir as duas pernas e cair de chapão no meio no mar e iria nadar muito muito até encontrar uma ilha, e nessa ilha toda a gente iria falar uma língua parecida com a minha ou pelo menos nos iriamos entender muito bem.
Acho que no fundo o que aconteceu foi que deixei de ter lado.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Desejo

O homem sentado à mesa da sua sala-de-jantar, fala. Terminou de comer e começa a descontrair-se.
O corpo pequeno inclina-se sobre a mesa, apoiado nos cotovelos. As mãos mexem-se elegantemente acariciando as costas uma da outra.
A camisa ligeiramente aberta, mostra um triângulo escuro de pêlos onde eu adoro esfregar o nariz e cheirar.
No fim das frases os olhos abrem-se e olham-me directos, quase sorridentes.
Sobre isto tudo uma voz baixa e muito ponderada avança, e penetra-me pacientemente através do estômago, dos olhos e da garganta.
Eu queria que fosse sobretudo esta voz a possuir-me. É ela que procuro de cada vez que me afundo no corpo do homem.
Os ombros discretamente volumosos encolhem-se de vez em quando por detrás do pescoço curto, em momentos perplexos da conversa. O homem é de uma arrumação espantosa.
As mangas da camisa dobram-se simetricamente até meio dos ante-braços.
No pulso esquerdo, um relógio de aço e couro verdadeiro.
O cabelo escuro amontoa-se ordenadamente sobre as fontes.
As unhas polidas são cortadas muito rente e condizem na mais perfeita exactidão com o vinco das calças e o rigor limpo dos gestos.
Todo o aparelho vocal produz uma dicção perfeita e ligeiramente pedante.
O seu entusiasmo nunca ultrapassa as fronteiras do corpo, cuja gravata, casaco, e botões de punho, se permite retirar no fim do dia.
O homem é um reflexo perfeito da casa, e a casa, do homem.
E eu, o contrário disto tudo.

domingo, 17 de outubro de 2010

É isto

A propósito do tempo que passa, da idade que se soma em números que nem sempre reconhecemos como nossos, a amiga desviou a conversa dos detalhes supérfluos e atirou a frase que me fez tanto sentido.
- Nada disso é importante. Importante é saber que a miúda que eu fui havia de gostar muito da mulher em que me tornei.

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O Abrigo de Senhoras tem o prazer de anunciar que acabou a época balnear.
Bem vindas, queridas amigas, ao tempo das mangas compridas e das noites longas.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Atirar a toalha ao chão

Se eu atirar a toalha ao chão o que é que acontece?
Se atirar a toalha ao chão só para ganhar tempo.
tempo para pensar,
tempo para sentir,
tempo para desacelarar,
tempo para perceber se as coisas podem ser feitas de outra maneira,
tempo para errar, para vagabundear, para me perder e voltar a me encontrar,
tempo para me surpreender e ser surpreendida,
tempo para arrumar e vasculhar o meu sótão,
tempo para ser mais tolerante, mais disponível, mais em contacto com a vida,
tempo para me reinventar e concretizar sonhos que ainda não ousei ter,
tempo para finalmente chorar a morte do meu pai,
tempo para dedicar às minhas filhas, à minha mãe,
tempo para ajudar o meu irmão,
tempo para poder deixar de ser ansiosa,
tempo para conversar, rir e dançar, sem medo do amanhã,
tempo para aguardar o amor,
tempo para viver o amor.
Será que, atirando a toalha ao chão, perderei assim tanto?
Quantos continuarão comigo? Quantos dos que dizem gostar de mim me incentivariam nesta "loucura do recomeço"?
E recomeçar onde, de que forma e em que lugar?

ainda a beleza

A propósito das palavras da Sra. D. Susette sobre o belo e o sexo, lembrei-me do meu Tio Álvaro. Dos muitos irmãos, o Tio Álvaro era o mais bonito, assim reza a lenda de família. Olho para as fotografias e percebo o que todos asseguram: no meio dos irmãos, a figura do meu tio paira sobre todas as outras e faz com que os restantes se dissolvam num nevoeiro de traços perfeitos mais ou menos iguais.
A história da beleza do meu Tio Álvaro é inseparável do incompreensível e estranho gosto que, aos olhos dos outros, este homem sempre teve por mulheres feias. Fazem-se listas dos seus amores, a manuela, parecia um homem, coitada, a teresa, não tinha ponta por onde se pegasse, a amélia, o que vias tu nela, álvaro?, a francisca, saiu-lhe a sorte grande, um camafeu como ela com um pêssego como tu.
O meu Tio ri-se e não diz nada. É a pessoa mais livre daquela família.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O Belo e o Sexo

Conheço um homem que quando descreve uma mulher começa sempre por dizer se é bonita ou feia.
"No outro dia encontrei fulana de tal, uma giraça, com o cabelo assim e assado, bem-feita, etc, etc."
Toda e qualquer mulher que apareça na televisão, no restaurante, no trabalho.
Sempre me ofendeu e me chocou, esta visão meramente utilitária e tão estreita da beleza.
Para muitos homens, a beleza feminina está directamente ligada à ultilidade erótica e sexual.
Mulheres Belas, são Gajas Boas.
Mulheres Belas são Coisas Eróticas.
Um dia resolvi comententar, mais sonsa que uma freira, mais cínica que um grego: "tu valorizas muito a beleza nas mulheres, não é...?"
O homem ofendeu-se.
"valorizo como? Não. É só a coisa que está mais à vista, é só isso."
Prossigo: "Não, querido. É uma coisa que está mais à TUA vista. Dá a impressão que numa mulher, tu valorizas a beleza como se valoriza uma qualidade de carácter..."
"Eu...? Não é nada disso. estás completamente enganada.".
-"Diz-me lá... Eu posso apostar que todas as amigas que tens são bonitas, hum?"
O homem engasga-se. Consegui cortar o piu a um advogado.
-"Ah! Ah! Ah! EU SABIA!"
Está desorientado. Fica indeciso entre desmerecer a beleza das amigas para se defender, ou enaltecê-la gigantescamente para justificar o facto.
E é então que se sai com esta pérola:
"Tu não percebes, para mim é só uma coisa sexual, é uma questão de saber se comia a gaja ou não. E além, disso, eu até tenho amigas feias."

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

retrato fiel

tapo a boca, ato as mãos, assobio e disfarço
na ponta dos dedos a tentação do disparate, sinto-os a procurarem a folga entre os nós, a cavar a fuga num trabalho silencioso
o trabalho que dá salvar-me de mim mesma

domingo, 10 de outubro de 2010

Homo Autistus

Queridas amigas e apreciadas colegas de investigação, sra dona judite que por momentos temeu que por estes lados se tinha abandonado a causa cientifica, um grande bem haja a todas.

Venho dar um pequeno e modesto contributo ao estudo laborioso e valioso da sra dona Judite, sobre os diferentes grupos ou características dos homo que nos rodeiam.

Depois de vários dias de intensa observação e registo, julgo que consegui por fim identificar claramente o Homo Autistus, o que considero pode ser útil no sentido em que ao ser passível de identificação, evita que se caia em trabalhos ou esforços inecessarios quando interagirmos com sujeitos desta tipologia.

O Homo Autistus tem uma capacidade inesgotável para falar. E consegue falar sozinho durante muito tempo sem necessidade de qualquer esforço de função fática da linguagem por parte da pessoa (ou pessoas) com quem, supostamente, está a comunicar. Esta característica pode ser útil para quem interlocutar com ele, pois tem tempo para pensar nas suas coisas e retomar a conversa quando lhe apeteça.

O Homo Autistus gosta de ouvir-se, gosta de brilhar no social, de ser considerado inteligente e melhor que todos os demais homo, gosta de falar mais alto e mais grave para fazer-se ouvir. O homo autistus pode ser muito divertido ao principio mas depois de um tempo torna-se uma parede com um interruptor que se acciona pelo movimento ao seu redor. O Homo Autistus tem medo de ficar sozinho e fala, falazaza e chalaceia para que gostem dele, mas não consegue ligar as palavras ao coração, não consegue suportar o silêncio necessários para que essas palavras possam ter ainda mais sentido, e, surpresa das surpresas, o seu canal auditivo está directamente ligado ao seu umbigo. Apesar de que o Homo Autistus é mais frequentemente encontrado nos seres masculinos, também muitas das características que o definem podem ser observadas em feminas. O Homo Autistus pode ser um bom amigo, mas quase nunca um bom namorado.

Espero que a sra dona Judite aceite este meu modesto e empírico contributo e que lhe possa ser de alguma forma útil para o estudo e compreensão dos espécimes que nos rodeiam.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

as paredes da cidade sabem-na toda


A saída é ali, põe-te a andar. Leva contigo os dramas e os delírios. Aqui só há uma parede.
Adeus.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Minhas queridas senhoras,
Regressada de umas retemperadoras férias entre a montanha e o mar, o campo e cidade, o bucolismo dos passarinhos da côte d'azur (passarinhos rafinés, bien sur, bebem água evian nas esplanadas com capelines esvoaçantes na cabeça) e a vibração cosmopolita de nova iorque em fim de verão, chego aqui exausta mas com a alegria do prazer cumprido.
Nada sei das minhas companheiras de abrigo, tirando um ou outro recado aqui postado de tempos a tempos. Quer dizer, até sei. Sei que algumas de vós andam a braços com memórias familiares absolutamente harmoniosas e felizes, que uma senhora se dedica freneticamente a fotografar paredes, que outras tantas se esfumaram em textos distantes no nevoeiro do verão que passou.
E com tudo isto, fico preocupada. Vejo as minhas boas amigas desaparecerem entre paredes e famílias felizes, suspeito que abandonaram os valorosos projectos de investigação em curso, e fico para aqui em cuidados (desnecessários, talvez) que me aceleram o coração em taquicardias inúteis.
Peço-vos, por isso, que dêem notícias a esta vossa viajada (porém atenta) amiga.
É que não há coração que resista a tamanha espera.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

agora deu-me para isto

Agora deu-me para fotografar paredes.
Podia ser pior.
Foi na fonte da telha, um amontoado de barracas em cima do mar. Parei para fotografar a heidi e logo um homem me veio explicar que foi ele que construiu aquela barraquinha há mais de trinta anos, a casa era de uma velha que vivia com os netos, já morreu há cinco anos coitada, mas se a menina quiser mostro-lhe o meu jardim que está ali à frente, flores lindas, de todas as cores, fomos nós que construímos isto tudo há mais de trinta anos, a velha já morreu mas as minhas flores ainda ali estão.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Eu e a cidade

Este ano anda esquisito. Ou então sou eu que ando esquisita e passeio por sítios estranhos e tenho encontros bizarros. Ou então crescer é mesmo isto, sair do útero materno onde tudo e todos são bonitos bem intencionados felizes e equilibrados e dar de caras com um mundo cheio de pessoas que carregam às costas dores das quais não querem não conseguem não podem libertar-se.
Há dias reli A Sonata de Outono do Tolstoi e encontrei a frase que resume o que vejo ao meu lado: "Na cidade, uma pessoa pode viver cem anos e não reparar que já morreu há muito e apodreceu".
Às vezes apetece-me tocar-lhe no ombro e dizer-lhe isto baixinho. Mas depois percebo que já passou tempo demais para o poder trazer de volta à vida.
(custa-me tanto ser ateia e não acreditar nestes milagres)

segunda-feira, 20 de setembro de 2010


Vi isto numa parede do meu bairro e lembrei-me do presépio da sra d susette, da família da sra d yvette e de outras palavras por aqui penduradas que me puseram a pensar sobre o sítio onde aprendemos a ser, as pessoas que habitam os t-qualquercoisa das nossas infâncias e que nos vão acompanhando ao longo dos anos.
Aprendi a ser num sítio estranho. Lembro-me das discussões que me acordavam a meio da noite, eu a espreitar pela frincha da porta da sala com medo do que viria a seguir, as separações e reencontros dos meus pais, a minha irmã e eu no banco de trás do austin a caminho do cabeleireiro com a nossa mãe e afinal o carro parado, os planos mudados, a minha mãe a chorar e a fingir que não era nada. Aprendi a ser num sítio onde os fins de semana com o meu pai eram uma tortura, o frigorífico cheio de nada, a garrafa de aniz e umas bolachas recheadas, o quarto dele de onde saíam mulheres diferentes nas manhãs de domingo, a malinha que nos acompanhava com as camisas de noite e as escovas de dentes para dois dias inteiros em que o tempo se arrastava devagar. Aprendi a ser num sítio estranho, onde o amor não chegava para nada, onde o amor era um cavalo branco que só passa uma vez na vida e que se perde porque as histórias de amor só têm finais felizes nos livros.
O que vale é que sou uma rocha e nada disto perturbou o meu coração, cabeça e estômago.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Presépio

A minha tia, é uma santa.
Nunca ninguém está tão cansado quanto ela, nem ninguém guarda mais o sofrimento abnegadamente para si.
No entanto, não simpatiza muito com a segunda mulher do meu pai. De cada vez que se encontram para fins-de-semana, (todos os fins de semana) na casa de família, mostra-o "acidentalmente" através de um conjunto de atitudes veladas.
"A "X" não tem nada a ver com a tua mãe", explica-me. Mas eu lembro-me bem como ela tratava a minha mãe exactamente da mesma forma, nesses mesmíssimos fins-de-semana em família.
O meu pai finge que não vê. O meu pai é um santo.
Que teve uma ligação durante anos com esta mulher ainda casado com a minha mãe, e que passados dois anos sobre a sua morte a levou a viver para a mesma casa onde vivemos nós todos, durante trinta anos.
A maioria dos objectos que povoam a casa permanecem os mesmos.
Só não se casam por não quererem perder as pensões de viuvez.
A minha mãe era uma santa.
Que sabia desta ligação com o meu pai tendo ela própria um amante, que manteve até morrer. Existe uma forte possibilidade de eu ser filha deste senhor. Ninguém me disse nada, iam-me dizer para quê.
A segunda mulher do meu pai é uma excelente pessoa.
Precocemente viúva de um primeiro e muito breve casamento, esperou pacientemente pelo meu pai anos a fio, enquanto o secretariava no banco onde trabalhavam.
Agora para compensar, chateia-se violentamente com a mãe para o meu pai assistir, todos os dias.
É filha única e depois de enviuvar, regressou a casa dos pais, os dois também excelentes pessoas, onde viveu até aos 54 anos.
Da sua ingestão diária de alimentos fazem parte pelo menos 2 comprimidos "para a depressão".
Nos "fins-de-semana em família" faz questão de beijar e namoriscar com o meu pai à frente da minha tia.
A minha prima mais velha, é uma querida.
Que se casou com um homem fantástico mas que tem alguns problemas em "gerir as pulsões violentas que sente em relação ao mundo e às pessoas".
São ambos psicólogos.
A minha prima fala-me frequentemente das dificuldades que eu tenho em viver a minha própria vida, enquanto o seu marido a encorna de manhã à tarde e à noite com colegas de trabalho, e afins.
"Eu e o "X" berramos muito um com o outro mas depois acaba sempre tudo na tranquilidade.", explica. Acabar tudo na tranquilidade é, por exemplo, estarem a berrar uma hora sobre qual o melhor caminho para chegar ao Meco - são ambos ases da estrada - e no fim um deles desistir, furioso e derrotado.
A minha outra prima é encantadora.
Emigrou para muito longe mas vem cá pelo menos duas vezes por ano para se chatear com a mãe. Mas a minha tia - porque mãe é mãe - faz sempre questão de a ir levar ao Aeroporto.
Na despedida, entrega à pressa pequenas lembranças de cá à minha prima, para ela se poder deleitar durante a viagem.
Na última despedida, ofereceu-lhe várias coisas como por exemplo "tu és a pessoa mais egoísta do mundo, se eu hoje estou um caco e se o teu pai me deixou, foi por causa de ti. Eu não sei como é que és minha filha."
Já o marido da minha outra prima, dá-se bem com toda a gente.
Só lhe faz um bocadinho de confusão a mulher do meu pai. Como bom psicólogo que é, diz coisas do género "mas quem é que ela pensa que é, eu estou nesta família há muito mais tempo do que ela."
Recentemente, num desses fins-de-semana em que, lamentávelmente, eu não estive presente, tratou de explicar isso mesmo à mulher do meu pai, berrando-lho pacientemente durante três horas.
Com as crianças a assistirem.
Foi uma conversa equilibrada porque a mulher do meu pai também berrou de igual forma, para o meu pai ouvir.
O meu pai "por acaso" não estava presente porque estava a dormir no quarto ao lado sa sala, onde a "conversa" teve lugar.
Ora, toda a gente sabe quão pesado é o sono do meu pai.
Eu "por acaso" também não tenho estado presente nestes fins-de-semana de família.
Mas não deixo de me congratular com a enorme capacidade que a minha família tem em viver bem com cada um dos seus elementos e em expressar os sentimentos e as emoções de forma equilibrada.
Principalmente a generosidade emocional de todos, é o que mais me conforta.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

uma volta no bairro

e descubro isto.
tento perceber o sentido, mas escapa-me por entre a falta de cafeína e a confusão existencial que se agrava todas as manhãs.
se ao menos eu soubesse 'somente aquilo que sou'.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Há pessoas....

....que são assim na nossa vida. Vão e vêm, mas na realidade estão sempre lá.
Esta pessoa é a primeira pessoa de que me lembro, da minha idade, para além de mim.
Sempre fomos muito diferentes em muitas coisas, mas partilhamos um material qualquer que nos tem mantido unidas até hoje.
Ela gosta de 7up e eu de Coca-cola, ela come quilos de fruta e eu adoro croissants de chocolate, ela guarda tudo e não fala, eu rebento falo muito e depois arrependo-me, ela era mais namoradeira na adolescência agora sou mais eu.
Há muitos anos atrás eu fiquei chateada quando ela beijou o rapaz de quem eu gostava e ela deve ter ficado chateada quando percebeu que eu gostava do namorico dela, mas nem isso nos fez ficar muito muito chateadas uma com a outra.
Depois existem outras coisas, o funeral do gato recém-nascido, as férias da Páscoa na Beira-Alta, as brincadeiras aos detectives em que descobriamos droga no sótão, as fugidas de casa e as subidas ao telhado do meu prédio, a descoberta do mundo dos rapazes e que eles eram "giros hihihi!", as brincadeiras na rua e quando saímos vestidas com as roupas das nossas mães e tinhamos de fugir dos rapazes, as brincadeiras com as Barbies e a Cindys e de quando fingiamos adormecer em casa uma da outra para podermos dormir lá.
Depois afastámo-nos um pouco durante uns anos sem nunca desaparecer totalmente.
Há uns anos reencontrámo-nos e percebemos novamente temos muito em comum e que partilhamos mundos muito próximos. Há também a certeza de que tenho um quarto sempre à minha espera e a certeza de que basta um telefonema em pranto para eu largar tudo e ir a correr.
Tudo isto faz-me sentir que é assim, há pessoas que de alguma maneira nunca sairão das nossas vidas.
Sabes bem que isto é para ti minha querida tal como eu sei que mais dia menos dia virás aqui ler isto.
Um beijinhos cheio de uvas e tacinhas da tuperwere.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Uprising!!!!

Paranoia is in bloom

The PR transmissions will resume,

They’ll try to push drugs that keep us all dumbed down,

And hope that we will never see the truth around

(so come on)

Another promise, another scene,

Another packaged lie to keep us trapped in greed,

And all the green belts wraped around our minds,

And endless red tape to keep the truth confined

(So come on)

They will not force us,

They will stop degrading us,

They will not control us,

We will be victorious

(So come on)

Interchanging mind control,

Come let the revolution take it’s toll,

If you could flick a switch and open your third eye,

You’d see that

We should never be afraid to die

(So come on)

Rise up and take the power back,

It’s time the fat cats had a heart attack,

You know their time’s coming to an end,

We have to unify and watch our flag ascend

They will not force us,

They will stop degrading us,

They will not control us,

We will be victorious

(So come on)

They will not force us,

They will stop degrading us,

They will not control us,

We will be victorious


Resteipo!

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Resteipo!

No primeiro dia, de manhã:
- olha-me esta: Os caracóis deslocam-se sobre uma cama de muco!
- Aaarrgh, que nojo. Olha esta: há um polvo nas caraíbas que só se alimenta de fezes de peixes-da-escandinávia.
- Que horror. Bué da nojento. Olha-me esta: Sabias que se os caracóis deixassem de comer batatas, o ex-ce-den-te de batatas dava para alimentar 30 mil pessoas durante três anos?!
- Incrível! os caracóis comem bué. E olha-me esta: sabias que se os peixes-da-escandinávia deixassem de de-fe-car quer dizer fazer cócó, isso destruiria um ecosistema marinho de 5 mil espécies inter-dependentes umas das outras?!
- Aaaarghh! Que cena. tudo por causa do cócó de peixe.

Segundo dia:
- Iá, mas já diz o ditado: Ladrão que rouba ladrão, cem anos de perdão.
- ... Mas achas que isso se aplica aos assassinos...?
- Pá. O gajo é assassino. Mas matou outro assassino.
- Certo. Mas mesmo assim, o gajo continua a ser um assassino e matar é pior que roubar. Eu acho que aqui o ditado não vale.
- Mas depende. Se o assassino é mais mau do que o que matou, ou não.
- Hum.

Outro dia, durante o serão:
- Se tu pudesses escolher dois super-poderes quais é que escolhias? Eu escolhia o do gelo e o de transformar as pessoas em matéria.
- Transformar as pessoas em matéria...? (sou eu que pergunto)
- Sim, tipo, se uma pessoa está a tocar numa parede, por exemplo, tu podes transformá-la na mesma matéria que a parede, ou em outra coisa qualquer que essa pessoa esteja a tocar.
- Ah.
- ...E a pessoa pode demorar até 200 anos até voltar ao normal.
- Mas quais é que são os outros super-poderes?
(a mãe, de dentro da auto-caravana: Eu queria o da invisibilidade!)
- ... Os outros são os dos Elementos: Terra, Fogo, Água, Gelo, Ar...
- O gelo não é nenhum elemento.
- Ai é, é.
- Ai não é, não.
- Ó pá, é. O gelo é um elemento, os outros são a terra, a águ....
- ...Não. O gelo não é um elemento. A água é que é um elemento.
- NÃO! O gelo É um elemento SEPARADO!
- Quem é que disse?!
- Aaaehh...?
- QUEM É QUE DISSE cientificamente QUE O GELO É UM ELEMENTO SEPARADO?! o gelo é feito de água, logo se eu controlar a água posso transformá-la em gelo, logo controlo DOIS elementos!!!
- NÃO! O Detective Esqueleto controla a água E o gelo!!!!
- Ah. Bom. Então eu quero o do Tele-transporte e o do Fogo.
- (A rir-se com um ar EXTREMAMENTE malandro): Lembrei-me de um outro super-poder.
- Qual.(já a ver onde é que a cena ia mais ou menos parar)
- O de controlar o cócó e o xi-xi das pessoas!!!
- Aaaah! ah! ah!!! Tipo, uma pessoa está num sítio a conversar com alguém e tu de repente, TRÁS! provocas-lhe uma granda vontade de fazer cócó!!!
- ... E a pessoa não consegue mesmo evitar!!!!
- ... mesmo ali à frente de toda a gente! ah! ah! ah!
- ... E o xi-xi ao mesmo tempo!! ah! ah! ah!

Na noite seguinte, de madrugada, tenho um sonho:
Algures, numa casa de amigos, todos conversam.
Eu sinto-me muito bem e confortável.
Estou na casa-de-banho da casa, tranquilamente sentada numa sanita imaculadamente limpa.
À minha frente um lavatório redondo e branco, cheio de água perfeitamente transparente.
À medida que a água do lavatório começa a escorrer pelo ralo, também a minha bexiga se vai esvaziando na sanita.
Ao mesmo tempo, e num lapso de segundos, dou-me conta de que muito consolada e refasteladamente, faço xi-xi na cama!
Na cama real da autocaravana real das minhas férias eu, uma mulher de 39 anos, faço xi-xi na cama.
Levanto-me de um pulo, mas não consigo reprimir a quase-gargalhada.
Não me sinto mal, nem sequer envergonhada.
Surpreendentemente, até sinto uma certa ternura pela criança que ainda consigo ser, nestas férias de sonho, na companhia das minhas amigas e de dois miúdos lindos, maravilhosos.
E de uma outra menina que já não via há muito tempo, que nunca se tinha permitido fazer xi-xi na cama.
É bom ver que ela está bem.
Que se ri da vida e que sabe brincar e divertir-se, e gostar das pessoas.
Que sabe gostar das pessoas que gostam dela.

Epílogo:
Nas sábias palavras de Allie G que muito foi citado ao longo destas férias,
Às minhas amigas mas, principalmente, a Mister Z e a Mister S,
Que estão sempre Indahouse:

RESPECT!

Em autocaravanês:

RESTEIPO!

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

a minha família - Um

Avós F. e T.

O meu avô fazia "tsst, tsst" e abanava a desaprovadora cabeça quando o da carpete no peito (o Ramos, acho) ou o um Fábio qualquer beijavam ardentemente na boca a sua consorte da novela. Se a coisa demorava mais tempo do que o seu traquejo moral abarcava, bufava entre dentes "caramba!" , "ó senhores!" ou "que porcaria".
O meu avô teve uma carreira árida de séria na guarda fiscal e chegou a sargento. Periodicamente lavava e polia o seu kadett (mais tarde, o corsa) no nosso pátio do alentejo, nas férias, ou ao pé de casa, por trás dos prédios do j.pimenta, durante o tempo de trabalho. Fazia-o meticulosamente com uma camurça, de blújines, que era assim que se dizia, e camisola interior de alças branca, mostrando as peles dos braços mais flácidas de ano para ano.
O meu avô usava uma mariconera com uma pega, do tempo em que ainda não tínhamos maricas em Portugal, logo provavelmente comprada na Espanha.
Quando a minha avó arriscava um prato um pouco diferente (inspirada pelo Silva da Teleculinária) ele dizia "Olha...gostei mas ... sabes que mais? Podes não voltar a fazer". Não era visivelmente uma ordem, quase nem se percebia que era uma repressãozinha. É que o meu avô não gostava nada do desconhecido. Gostava mesmo era de pescada cozida.
Nunca vi os meus avós envolverem-se num toque ou beijo, por fugidio que fosse, e morei com eles 10 anos.
Há pouco tempo, vi uma fotografia antiga dos meus avós numa excursão e olhei para a minha avó, à esquerda daquele homem recto, mais larga do que ele, com uns óculos muito feios e alguns pêlos na cara. Pareceu-me uma não-mulher, receosa e frígida, uma carne grande e cheia de medos, sem prazer, a esposa travão do sargento de pouca imaginação.
Sensualidade zero no T2 de subúrbio que me calhou para a infância. E um forte cheiro a azeite.

A história continuará.

domingo, 18 de julho de 2010

Respondo

O Abrigo morreu, bora fazer outro Abrigo?

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Pergunto

O Abrigo morreu, viva o Abrigo?

terça-feira, 6 de julho de 2010

Ananases e avôs

Eu tive dois avôs, como toda a gente na realidade.
Bem na verdade tive três mas quero falar dos pais dos meus pais, o Eliseu, o homem mais doce que conheci terá uma posta só para ele um dia destes.
Conheci ambos os meus avôs e ambos já morreram, aliás morreram os três.
O pai da minha mãe de nome Artur há muitos anos atrás ainda a minha mãe e a minha tia eram pequenas, vendeu tudo o que tinha, terrenos e propriedades, e emigrou para o Brasil.
A minha avó era muita nova quando casou com ele e não teve uma vida nada fácil.
O meu avô perdeu tudo segundo reza a história enganado por um primo.
Dormia num carro e vendia ananases (e outras frutas também), houve ainda uma altura que toda a família foi viver para o Brasil, a minha avó com as miúdas e os meus bisavós maternos.
Isto deu em divórcio e perderam o contacto com o meu avô durante muitos muitos anos.
Quando eu tinha treze anos a minha mãe decidiu ir à procura do pai e foi três meses para o Brasil.
A verdade é que o encontrou. A ele e a toda uma nova família. O Artur vendia sapatos, tinha uma mulher de ascendência indígena e três filhos. A Juliana, dois anos mais velha do que eu, e dois gémeos, Leandro e Leonardo (não comentem por favor eu sei que é demasiado mau) um ano mais novos do que eu. Isto de ter tios mais novos sempre me fez confusão.
No Brasil o meu avô era o pórtuguêis.
Ainda houve uns anos de troca de cartas e uma visita a Portugal do meu avô e da sua esposa.
Nessa visita a minha tia fez questão de lhe demonstrar que nunca o iria perdoar, a minha avó fez questão de lhe demonstrar o quão bem sucedida tinha sido na vida sem ele, a mulher dele fez questão de dizer que tinha feito uma macumba para o agarrar, a minha mãe fez questão de o tratar muito bem e eu não me lembro de fazer questão de nada, talvez treinar o sotaque brasileiro que era divertidíssimo para mim.
O meu avô morreu há uns quatro anos e só depois da sua morte é que comecei a referir-me a ele como o avô, eu dizia sempre o Artur ou o teu pai e a minha mãe perguntava porque eu não lhe chamava avô “ Porque não o conheço de lado nenhum” respondia eu.
A ver se me lembro de um dia destes dizer à minha mãe que agora já percebo como se pode gostar tanto de alguém que é tão ausente.

O meu outro avô era o Carmelino.
Lembro-me que tinha umas suíças enormes e um risco ao lado puxado desde a orelha. Era um homem sisudo e calado, parecia que estava sempre chateado, na verdade o avô Carmelino dava-me um bocado de medo.
O meu avô Carmelino dizia que eu era a sua verdadeira neta porque era a mais velha e quando o encontrava na rua ou ia lá a casa dava-me sempre quinhentos escudos e dizia “Toma, é para comprares um Rajá!” eu pequenina pensava “Mas que raio é um Rajá, ele ainda não sabe que existe o Epá e o Fizz limão?” Na altura eu ainda não percebia as subtilezas dos adultos e que aquilo era só uma maneira que ele arranjou de dizer que gostava de mim. Às vezes quando me obrigavam e ir cumprimenta-lo à tasquinha do Largo da Igreja ele comprava-me um chocolate da Regina com recheio de morango. Eu detestava ir ter com ele à tasca.
E agora ocorreu-me, será que havia com recheio de ananás? Bem mesmo que houvesse eu acho que nunca teria tido coragem para lho perguntar.

Ananazes e outras frutas

Ai, cara senhora.
O seu avô lembra-me o meu...
Também ele ouvia música - mais concretamente ópera - muito alto e numa sala especial onde as bobines de fita magnética rodavam tardes sem fim.
Nessa sala só entravam, livros, música, eu, e o meu avô.
Mas mais do que Eça, acho que o meu gostava, sim, de Camilo.
Cuja obra completa guardo numa edição preciosa de volumes pesados onde dá gosto passar a palma da mão.
Camilo e Wagner. Era uma peça, o Avô Tristão.
Cozinhava noites a fio, fechado na cozinha, apanhando ataques de fúria se alguém tentava entrar.
Andou fora de casa 17 anos para ir viver com a amante, regressando depois, a pedido da minha mãe, ao plácido seio familiar.
Também jogava xadrez,
Não aquecia o Conhaque no radiador.
Escrevia gags cómicos para a rádio, editava fanzines humorísticas clandestinas.
Tirava fotografias esquecendo-se de meter o rolo na máquina.
Ressonava como ninguém, com assobio e tudo.
Morreu de comer, de beber, de andar à bulha e tratar mal quem gostava dele.
Muitos anos depois, conversando com a minha avó, já no Lar, ela vira-se para mim com um sorriso regalado no rosto:
"Ora vês, e eu ainda cá estou!"
A minha avó Celeste.
A minha tão querida Avó.

Mas permanece por desvendar, a razão deste calor ser de Ananazes.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

ainda os ananases

Minha querida Sra. D. Susette,
Eu, pelo contrário, sempre ouvi o meu avô citar o Eça de Queiroz quando chegava o Verão:

"Entrei no quarto atordoado, com bagas de suor na face. E debalde rebuscava desesperadamente uma outra frase sobre o calor, bem trabalhada, toda cintilante e nova! Nada! Só me acudiam sordidezes paralelas, em calão teimoso: - «é de rachar»! «está de ananases»! «derrete os untos»!... " (na Correspondência de Fradique Mendes).

O meu avô passava as tardes sentado na sala, a ouvir música muito alto e a ler, comia caramelos que escondia num armário, aquecia conhaque em frente ao radiador, jogava xadrez com os netos, ensinava-nos palavras complicadas que não entendíamos, lançava papagaios na praia e filmava em super 8.

O meu avô sabia páginas e páginas do Eça de cor. O calor de ananases era uma. Ou as trombas de dar melancolia aos móveis.
Ou tantas outras de que me vou lembrando uma e outra vez, sempre que o meu avô João aparece junto a mim.

ontem hoje e amanhã

irei resistir a este calor?

terça-feira, 29 de junho de 2010

esquimó à esquina


O ano de 2010 tem sido bom e generoso para com esta vossa amiga. Tão bom e tão generoso que me rendi à evidência de quatro palavras: ce-li-ba-to.
Este voto apenas poderá ser quebrado com um esquimó, licenciado em electrotecnia na Univesidade de Sfax.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Negritude na ordem do dia

Nasci preta, num longínquo país de África.
Sempre me irritou aquela coisa de não se chamar pretos aos pretos, de se chamar africano, pessoa de raça (?), de cor , negro, pardo, etc. Tudo, menos preto.
Sempre me chamei e sempre quis ser chamada de preta, ignorando e ignorante de todas as correntes antropológicas e sociológicas existentes à volta do assunto.
Acho que esta foi a primeiro forma que encontrei de assumir a minha negritude. Infantil, patética, pouco politizada, deselegante, muitos dirão.
Habituei-me desde pequena a viver entre os brancos, a ser a diferente entre os demais, a preta da turma, a preta da faculdade, a preta do trabalho.
Nos sítios e locais onde circulava não existiam pretos, para além da minha família, está claro.
No entanto, sempre tive um fascínio enorme por África, sempre me senti orgulhosamente preta. Tudo meio bacoco, tudo muito pouco elaborado. Nunca reflecti seriamente sobre o que é ser preta, sobre o racismo, sobre se fará sentido assumir uma identidade negra.
Agora, por diversos motivos, mas especialmente devido ao facto de estar envolvida com um homem preto (Uah!!!), estas questões têm surgido fortemente. Dou por mim a perguntar se serei assim tão preta? Isto porque à força de tanto lidar com brancos, percebo que os pretos, aqueles com quem em tese eu sempre me identifiquei, na prática, são os outros. Esta constatação para além de estranha e curiosa, obriga-me a confrontar-me, mais uma vez, com as grandes ironias da vida.
Senhoras do Abrigo, a próxima, está prometido, é sobre o meu homem africanus experientus!

Vi isto numa montra


vi isto numa montra e lembrei-me do que disse, Sra. D. Susette Esta t-shirt deve ser para homens que dispensam os eufemismos patéticos para não dizerem"foder" quando "foder" é o que querem.
Sabe o que lhe digo, querida amiga, queridas amigas? Estou em crer que os homens só usam esses eufemismos patéticos porque julgam que as palavras cruas ferem a nossa sensibilidade de cristal.
Só precisamos de ter um pouco de paciência e explicar-lhes que foder é foder e conhaque é conhaque. O conhaque do 'fazer amor' toma-se com parcimónia, em ocasiões especiais, e com uma pessoa que nos cai do céu aos trambolhões e ocupa o nosso coração.
Foder é bom, faz bem ao corpo e à alma, e fazemo-lo com quem nos apetece.