Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço A pouca sorte de nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela, saudosamente nela, mas amigos são por serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano império; babugem de invasões;
salsugem porca de esgoto atlântico;
irrisória face de lama, de cobiça, e de vileza, de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas, devotos todos do milagre, castos nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue, e santos com balcão de secos e molhados no fundo da virtude;
terra triste à luz do sol calada, arrebicada, pulha, cheia de afáveis para os estrangeiros que deixam moedas e transportam pulgas, oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda, com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas como esses sentimentos de oito séculos de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém: eu te pertenço.
És cabra, és badalhoca, és mais que cachorra pelo cio, és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.
Jorge de Sena
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