quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não. 
Nem é ditosa, porque o não merece. 
Nem minha amada, porque é só madrasta. 
Nem pátria minha, porque eu não mereço A pouca sorte de nascido nela.  
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela, saudosamente nela, mas amigos são por serem meus amigos, e mais nada.  
Torpe dejecto de romano império; babugem de invasões; 
salsugem porca de esgoto atlântico; 
irrisória face de lama, de cobiça, e de vileza, de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo ranger no nevoeiro a nau do Encoberto; 
terra de funcionários e de prostitutas, devotos todos do milagre, castos nas horas vagas de doença oculta; 
terra de heróis a peso de ouro e sangue, e santos com balcão de secos e molhados no fundo da virtude; 
terra triste à luz do sol calada, arrebicada, pulha, cheia de afáveis para os estrangeiros que deixam moedas e transportam pulgas, oh pulgas lusitanas, pela Europa; 
terra de monumentos em que o povo assina a merda o seu anonimato; 
terra-museu em que se vive ainda, com porcos pela rua, em casas celtiberas; 
terra de poetas tão sentimentais que o cheiro de um sovaco os põe em transe; 
terra de pedras esburgadas, secas como esses sentimentos de oito séculos de roubos e patrões, barões ou condes; 
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém: eu te pertenço. 
És cabra, és badalhoca, és mais que cachorra pelo cio, és peste e fome e guerra e dor de coração. 
Eu te pertenço mas seres minha, não.                                   
Jorge de Sena

Sem comentários: