sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Desejo

O homem sentado à mesa da sua sala-de-jantar, fala. Terminou de comer e começa a descontrair-se.
O corpo pequeno inclina-se sobre a mesa, apoiado nos cotovelos. As mãos mexem-se elegantemente acariciando as costas uma da outra.
A camisa ligeiramente aberta, mostra um triângulo escuro de pêlos onde eu adoro esfregar o nariz e cheirar.
No fim das frases os olhos abrem-se e olham-me directos, quase sorridentes.
Sobre isto tudo uma voz baixa e muito ponderada avança, e penetra-me pacientemente através do estômago, dos olhos e da garganta.
Eu queria que fosse sobretudo esta voz a possuir-me. É ela que procuro de cada vez que me afundo no corpo do homem.
Os ombros discretamente volumosos encolhem-se de vez em quando por detrás do pescoço curto, em momentos perplexos da conversa. O homem é de uma arrumação espantosa.
As mangas da camisa dobram-se simetricamente até meio dos ante-braços.
No pulso esquerdo, um relógio de aço e couro verdadeiro.
O cabelo escuro amontoa-se ordenadamente sobre as fontes.
As unhas polidas são cortadas muito rente e condizem na mais perfeita exactidão com o vinco das calças e o rigor limpo dos gestos.
Todo o aparelho vocal produz uma dicção perfeita e ligeiramente pedante.
O seu entusiasmo nunca ultrapassa as fronteiras do corpo, cuja gravata, casaco, e botões de punho, se permite retirar no fim do dia.
O homem é um reflexo perfeito da casa, e a casa, do homem.
E eu, o contrário disto tudo.

1 comentário:

Sra D. Pilar disse...

que bonita a forma como explica este homem.