terça-feira, 16 de novembro de 2010

Isto Dá-me Sorte

Hoje está frio o que deixa pouco espaço ao optimismo.
Por isso penso no que me deixa feliz, e vem-me à memória uma frase de uma amiga minha que inverto, e sorrio a pensar no que me dá sorte, e o que me dá sorte é ter este abrigo onde me aquecer.
Ainda bem que é Inverno e faz frio e apetece estar em casa, em muitas casas onde se é muito bem recebido, e o calor que nestas casas se sente derrete todo o frio que lá fora faz, e sou feliz muito feliz.
E penso isto dá-me sorte!!

Até qualquer dia!

Minhas Queridas Senhoras Donas
Do meu coração.
A Dona Susette vai dar um passeio,
Fazer uma viagem,
Visitar outras paragens.
Tem pena de partir, mas tem de ser.
Volto qualquer dia, cheia de novidades, com certeza.
Quem sabe até se com outro nome.
Beijo-vos a todas, cheia de saudades, já.
Até qualquer dia.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

E ainda... só para terminar. Depois prometo que é só optimismo!



Portugal


Ó Portugal, se fosses só três sílabas,

linda vista para o mar,

Minho verde, Algarve de cal,

jerico rapando o espinhaço da terra,

surdo e miudinho,

moinho a braços com um vento

testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,

se fosses só o sal, o sol, o sul,

o ladino pardal,

o manso boi coloquial,

a rechinante sardinha,

a desancada varina,

o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,

a muda queixa amendoada

duns olhos pestanítidos,

se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,

o ferrugento cão asmático das praias,

o grilo engaiolado, a grila no lábio,

o calendário na parede, o emblema na lapela,

ó Portugal, se fosses só três sílabas

de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,

rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,

não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,

galo que cante a cores na minha prateleira,

alvura arrendada para o meu devaneio,

bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,

golpe até ao osso, fome sem entretém,

perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,

rocim engraxado,

feira cabisbaixa,

meu remorso,

meu remorso de todos nós...


A. O'Neill

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não. 
Nem é ditosa, porque o não merece. 
Nem minha amada, porque é só madrasta. 
Nem pátria minha, porque eu não mereço A pouca sorte de nascido nela.  
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela, saudosamente nela, mas amigos são por serem meus amigos, e mais nada.  
Torpe dejecto de romano império; babugem de invasões; 
salsugem porca de esgoto atlântico; 
irrisória face de lama, de cobiça, e de vileza, de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo ranger no nevoeiro a nau do Encoberto; 
terra de funcionários e de prostitutas, devotos todos do milagre, castos nas horas vagas de doença oculta; 
terra de heróis a peso de ouro e sangue, e santos com balcão de secos e molhados no fundo da virtude; 
terra triste à luz do sol calada, arrebicada, pulha, cheia de afáveis para os estrangeiros que deixam moedas e transportam pulgas, oh pulgas lusitanas, pela Europa; 
terra de monumentos em que o povo assina a merda o seu anonimato; 
terra-museu em que se vive ainda, com porcos pela rua, em casas celtiberas; 
terra de poetas tão sentimentais que o cheiro de um sovaco os põe em transe; 
terra de pedras esburgadas, secas como esses sentimentos de oito séculos de roubos e patrões, barões ou condes; 
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém: eu te pertenço. 
És cabra, és badalhoca, és mais que cachorra pelo cio, és peste e fome e guerra e dor de coração. 
Eu te pertenço mas seres minha, não.                                   
Jorge de Sena

País relativo

País Relativo,
País por conhecer, por escrever, por ler...
País purista a prosear bonito
A versejar tão chique e tão pudico,
Enquanto a língua portuguesa se vai rindo
Galhofeira, comigo.
....
país engravatado todo o ano
e a assoar-se na gravata por engano.
....
País amador do rapapé,
do meter butes e do parlapié,
que se espaneja, cobertas as miúdas,
e as desleixa quando já ventrudas.
O incrível país da minha tia,
Trémulo de bondade e de aletria
Moroso país da surda cólera
Do repente que se quer feliz
...
País do eufemismo, à morte dia a dia
Pergunta mesureiro: - Como vai a vida?
País dos gigantones que passeiam
A importância e o papelão,
Inaugurando esguichos no esgonço
Do gesto e do chavão.
E ainda há quem os ouça, quem os leia,
Lhes agradeça a fontanária ideia
...
Nhurro país que nunca se desdiz.
...
A Santa Paciência, país, a tua padroeira,
Já perde a paciência à nossa cabeceira
País pobrete e nada alegrete,
Baú fechado com um aloquete
Que entre dois sudários não contém senão
A triste maçã do coração
País das troncas e delongas ao telefone
Com mil cavilhas para cada nome
...
Embezerra país, que bem mereces,
Prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.
...
Estrela trepa trepa pelo vento fagueiro
E ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.
Hexágono de papel que o meu pai pôs no ar,
Já o passo a meu filho, cansado de o olhar...
No sumapau seboso da terceira,
Contigo viajei, ó país por lavar,
Aturei-te o arroto, o pivete, a coceira,
A conversa pancrácia e o jeito alvar
Senhor do meu nariz, franzi-te a sobrancelha;
Entornado de sono, resvalaste para mim.
Mas também já me ofereceste a cordial botelha,
Empinada que foi, tal e qual clarim!
A. O'Neill