sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O monotema

O monotema é como a casa onde passámos a nossa infância: conhecemos-lhe os cantos todos mas conseguimos sempre descobrir uma esquina em que nunca tínhamos reparado, um objecto que não estava ali e agora está, um cheiro que nos lembra qualquer coisa e nos obriga a pensar o que será.
O monotema é bom quando temos alguém com quem podemos dissecá-lo, alguém forrado a amizade e paciência que nos dá a mão e horas de conversa sem fim.
O monotema dá-nos pretextos para pedidos de socorro e cafés e copos de vinho. Com alguma sorte, dá-nos o tempo para risos e suspiros e abraços e a certeza de que tudo vai melhorar.
O monotema pode ser trocado como uma colecção de cromos: um pedaço do teu em troca de um bocado do meu.
E de cada vez que voltamos aos monotemas (o meu, o teu, o dela) descobrimos que, afinal, ele é como um caleidoscópio: nunca se esgota e nunca é igual ao que conhecíamos. E a aventura recomeça.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

porque o abrigo de senhoras também induca e enstrói

Coragem

Quando era pequena, tinha medo do mar.
Mas um Verão em Setembro, quando o Levante chega ao Algarve e traz aquelas ondas largas, lentas e gigantes que se desfazem em toalhas de água sobre a areia vazia da praia, o meu pai pegou em mim e na minha irmã e levou-nos para o mar.
Os três de mãos dadas, o meu pai no meio, cavalgámos as ondas, enfrentando, quase nús, o horizonte.
"Atenção! Aí vem mais uma... preparadas...? Um, dois, trêêês...!!"
A mistura de medo, excitação e amor, marcaram-me para sempre.

Só uma dica culinária

Como ex-cheff que sou ganhei um amor incondicional pelos congelados.
Hoje o meu jantar será então:
Folhado de salmão e espinafres
Puré de batata gratinado com requeijão
E uma granda saladinha de rúcula e vinagre balsâmico.

E faço mesmo publicidade porque vou comprar tudo no pingo doce....

Uiiiiii já me está a saber bem!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O Marinheiro Sueco

Na passada 3a feira vou, como de costume, ao "Aperitivo". O "Aperitivo" é uma espécie de mesa-redonda de copos onde todas as 3as vão desaguar num bar da Rua do Século as mais curiosas personagens.
Foi lá que conheci o meu amigo Theo que depois de trabalhar uma vida inteira no Instituto Nacional de Estatística da Holanda, se vem espetar em Lisboa e tornar-se fadista na reforma.
Na passada 3a feira, calhou-me o Peer Valdemar. Só o nome vale tudo e mais alguma coisa.
O Valdemar é Sueco e tem 54 anos. É um virologista-escritor e fugiu de barco para Lisboa. O seu pequeno veleiro amarelo estacionado na Doca de Alcântara parece o puto ranhoso da porteira a destoar entre os filhos da patroa, tão lindos.
O Valdemar convidou-nos para jantar no seu barco. E a mim, convidou-me a ler uns fragmentos do seu último romance, ao mesmo tempo que me filmava com a sua pequena, moderna, e extremamente cara, câmara digital.
Os dois sózinhos, na barriga do barco, choramos dentro das palavras do Valdemar. ...Blooming, blooming red trousers, red shirts, red shoes with white dots... He wasn't fat. He was evil...
No dia seguinte, regresso á barriga amarela para ver as filmagens editadas. Olhamos o écran do computador de mãos dadas. Eu estou ali, tão segura, a ler palavras estranhas como se fossem minhas.
Este homem diz-me que sou linda. Di-lo de lágrimas nos olhos, porém composto. Enquanto ele mo diz, ali segura entre as imagens no computador e as mãos do homem, eu realmente acredito.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

reprodução do discurso directo

(depois de três semanas sem nada dizer) o novo amigo diz: 'sei que não são horas (ah, pois não!), mas lembrei-me da noite em que nos conhecemos e decidi mandar uma mensagem (...) saudades tuas'.
E vai daí ela disse: (esperou para dar a resposta, de facto aquela não era altura de incomodar uma senhora, nem mesmo tratando-se de algo que esperava há muito) 'As saudades podem resolver-se no sábado. O que achas?'
O novo amigo afoitamente responde: 'Que bom saber que vamos resolver a questão das saudades no Sábado. Depois diz-me onde nos encontramos. Beijinhos e resto de um bom dia.'
Depois de relatar, sempre numa tetantiva de reposição do discurso directo, a alguma das senhoras do Abrigo, sento-me, tomo o meu café e penso cá p'ra comigo: 'a vida é mais simpática com factos, nem que seja só para poder partilhar com as amigas!'

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Declaração

Declaro que estou a viver uma fase de transição. Fase que começou com uma simples aceitação: eu sou uma gaja terrivelmente ambígua!
Posto isto, percebi que precisava de acomodar com algum conforto as várias senhoras, mulheres, meninas que tenho dentro de mim.
Neste preciso momento, estou a ouvir as sugestões e necessidades de cada uma delas:
da menina carente e insegura, que pede colinho com ar desesperado;
da mulher determinada que pede livra-te da gaja insegura e maricas, que já não a aguento!
da senhora correcta e boa profissional que me pede cuidado na gestão dos meus excessos e convivência com os prazares mundanos;
da louca endiabrada que abusa de mim e me tira horas de sono e me pede para não perder esta pincelada de libertinagem;
da mulher emancipada que me diz esquece os homens, os gajos não merecem que percas o teu tempo;
da mulher disponível para o amor que teima em acreditar que ainda é possível encontrar um gajo à maneira;
da mulher mãe que tem medos e angústias pela forma como gere a sua maternidade;
da mulher exigente e autocrítica que me condene sempre pelos meus deslizes e fragilidades;
da mulher cool e optimista que vê a vida com lentes bonitas e me pede serenidade e contemplação;
da mulher libidinosa que refila comigo e me pede para pôr fim ao celibato a que a tenho obrigado;
E perante tantas e tão diferentes mulheres, aqui estou eu, Sra. D. Vitória, a tentar dar o meu melhor à procura da tal perspectiva justa de olhar a vida!

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

uma ideia



e se este fosse o hino do abrigo de senhoras?

Grito....

Não te quero mais na minha casa, na minha cama nem quero ver mais vêr os teus sapatos à porta do meu quarto.
Não quero mais partilhar contigo cigarros nem sonhos tão improváveis como os elefantes serem cor-de-rosa.

E juro, juro que depois de ti me vou tornar num canibal e comer todos os corações da cidade a pulsarem ainda na minha mão.

Serei eu que vou usar palavras como um encantador de serpentes, e irei usurpar todas as almas e alimentar-me de toda a energia que conseguir.

Serei um canibal sem dó nem piedade e ir-me-ei rir e cuspir-vos no túmulo.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Os meus amantes nunca querem dormir comigo. Preferem sempre o sofá ao quarto.
O quarto é para dormir.
No quarto, está-se deitado.
Dentro do quarto está a minha cama. Uma cama enorme, que é feita de duas camas juntas.
Os amantes não gostam disto.
Na sala tenho um pequeno globo de vidro vermelho muito apropriado.
As imperfeições do corpo e da alma escondem-se por trás deste pequeno biombo.
Não recusarei nenhum homem.
Vou dormir com todos, todos os que eu quiser.
Vou dormir com todos e ser magra.
Vou dormir com todos, ser magra e não parecer a idade que tenho.
Sou mais homem do que eles todos, caralho.

hoje à meia noite

Dizes que me telefonas à meia noite.

É pena, precisava de ti antes, agora, mais cedo.
Gostava de te poder ter ao meu lado quando quisesse, tu livre, livre para mim e livre para ti.
Não tinha de ser sempre, mas tinha de ser certamente muito mais vezes e de outra maneira.
Sei que não podes, sei que não queres.
Tenho pena, muita pena mesmo.

Ligas-me hoje á meia noite.

Já iniciei o meu luto,

assim o espero.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Não me perguntes.....

... por favor não me perguntes porque os nossos cheiros são tão parecidos que se confundem.
Não me perguntes se daríamos certo juntos
Não me perguntes porque tens a sensação que me conheces á tanto tempo que é um tempo que não é desta vida só.
Não me perguntes porque sentes o que sentes quando fazemos amor.
Não me perguntes porque tens tanta confiança em mim e é tão natural o estarmos juntos.
Não me perguntes porque nos conhecemos nesta vida e qual o significado deste encontro.
Não me perguntes como eu gostaria que fosse a minha vida nem te surpreendas que queiras ter uma vida igual.

Por favor não me perguntes estas coisas, porque eu sei que tu sabes qual seria a minha resposta.
E sei também que sabes que não ta posso dizer.
E sei também que a resposta está dentro de ti e tu a sabes, mas tens medo e és teimoso e se calhar no fundo não a queres.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O aborrecimento do falo

Aborrece-me a dureza do teu sexo nas minhas costas quando à noite me abraças carinhoso, aborrece-me o teu desejo sempre vivo pelo meu corpo, aborrece-me a minha falta de desejo pelo teu corpo delicioso.

Receita de Scones de Emental

170 g de farinha
1 colher de chá de fermento em pó
2 colheres de sopa de açúcar
20 g de manteiga
1 dl de leite
1 ovo
queijo Emental ralado

preparação
Ligue o forno e regule-o para os 200 °C.

Deite a farinha numa tigela, junte o fermento e o açúcar, misture bem e abra uma cavidade ao centro.

Derreta a manteiga. Junte o leite e deite tudo sobre a farinha.

Adicione o ovo e mexa rapidamente com uma colher de pau até os ingredientes estarem ligados. Adicione o Emental e misture.

Deite a massa em colheradas sobre um tabuleiro polvilhado com farinha e leve a cozer ao forno durante cerca de 15 minutos.


Acompanhar com um chá vermelho
Aconselha-se pelas suas propriedades diuréticas para aqueles dias do mês.

Bon Appettizer

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

pequena colecção de trazer por casa

com os pedaços que sobraram comecei uma colecção de ti:

as pernas cruzadas
o dente desalinhado
o nó no cabelo
a boca quase escondida
os olhos que sorriem
o andar gasoso
as mãos que agarram
a pele e o músculo
o sorriso entornado
algumas palavras soltas

e a minha boca mordida por dentro

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Discurso de inauguração

Minhas caras senhoras, estimável público,
É com muito prazer que inauguramos a filial blogosférica do Abrigo de Senhoras, uma instituição pioneira que tanto tem feito pelas senhoras portuguesas nestes tempos difíceis da pós-modernidade.
A somar aos Abrigos espalhados pela cidade de Lisboa e mais além - onde as nossas associadas podem sempre contar com um copo de vinho, uma refeição quente e um tempo de refúgio da vida lá fora -, o Abrigo de Senhoras vai mais longe na sua ambição e acolhe as palavras, gritos, imagens e sons que as nossas senhoras resolverem partilhar publicamente.
Que este Abrigo seja o mesmo espaço de liberdade a que nos habituámos.