quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Inveja

A amiga telefona-me para contar as novidades.

Está muito apaixonada e essa paixão é perfeitamente correspondida.

Dentro de mim inicia-se imediatamente um lamento de pseudo-análise comparativa, completamente idiota:

Tudo o que na história da minha amiga existe em abundância, entre mim e o homem, é escassez.

Se o par da minha amiga procura aberta e constantemente um pelo outro, eu e o homem fingimos casualidade e desprendimento no reencontro, como dois adolescentes parvos.

Se o outro par amoroso troca mensagens ternurentas a todas as horas, entre mim e o gajo, a comunicação à distância reduz-se a uma reles mensagem de dois em dois dias.

Se o sexo entre a minha amiga e o seu prometido é imediatamente íntimo e estonteante; entre mim e o coiso, ele é o espelho da assimetria afectiva e sentimental que grassa entre nós os dois.

Se o supremo casal do lado não consegue evitar tocar-se constantemente; entre mim e o... o.... trava-se a luta que já sabemos.

(Sempre que procuro o contacto físico não-sexual, o homem por quem estou apaixonada entrega-se a uma crise de espasmos, comichões, agitação, e desconforto psico-físico geral. Convulsão que me dá um enorme prazer apaziguar.)

Ou seja.

A inveja que sinto das minhas amigas, que tanto amo, é atroz.

Eu coloco-me sempre no fim da fila, como se nada do que me fosse devido me fosse dado. Pior. Como se a vida fosse sempre mais caridosa com os outros que comigo.

Sei que ambos os lados deste espelho, tão pobre, são uma ilusão.

Tanto a face de cá que me engana, soprando-me ao ouvido que não tenho nada – quando na verdade tenho quase tudo – como a outra face que sorrindo, sádica, me agride com imagens alheias de perfeição tão improváveis quanto as razões da minha decepção, e do meu ressentimento.

Se alguma inveja (dizem os livros) serve para nos tornar conscientes das nossas próprias limtações, talvez a mim sirva para me mostrar quão incapaz sou de avaliar e reconhecer as verdadeiras circunstâncias e factos da minha vida.

A minha inveja, dá-me a medida exacta da minha ingratidão, da minha cegueira, da minha infantilidade, e do meu egocentrismo.

Do meu medo.

Da incapacidade de reconhecer que um homem está apaixonado por mim e me deseja; e de fruir disso.

Da incapacidade de me regozijar com o que recebo todos os dias de tantos lados, de tanta gente que gosta de mim;

MAS, e é o que mais me assusta:

Da incapacidade de OUVIR e genuínamente RECEBER o que a amiga partilha tão feliz comigo ao telefone, preferindo entregar-me a esta parvoíce sem tamanho de só olhar para o meu próprio umbigo, e para a minha vidinha tão difícil, ai que merda, coitada de mim tenho mesmo um azar, é tudo prós outros, caralho.

A verdade, é que a minha amiga tem o que merece.

E eu também.

E não é nada pouco para nenhuma das duas.

Transbordamos de razões para nos abraçarmos e beijarmos e olharmos olhos nos olhos uma da outra e reconhecer que nos amamos, e que a vida nos tem amado muito também.

É mesmo como dizes, amiga: "Ás vezes só me apetece é abanar as pessoas!"

P.S: Eh, lá. Isto anda para aqui um cheirito de Mulher Católica... ou é só impressão minha? ai, que tu tens é de agradecer todos os dias o que a vida te dá, e o caraças... hum?

8 comentários:

Sra D. Aurora disse...

Querida Sra. D. Susette, fiquei sem palavras com a sua posta. Cheira-me que anda aí a sua amiga católica a roer-lhe as canelas, agradece filha o que tens e deixa para o paraíso tudo o que desejas. Mande essa grande cabra para a puta que a pariu. Cá para mim, o medo vai de mão dada com essa megera que lhe atazana a vida.
Quando lhe der o chuto que ela merece há tanto tempo, cheira-me que muita coisa vai mudar. Se calhar os dois lados do espelho sao o mesmo, se calhar não tem de escolher nenhum, tal como a Sra. D. Celeste tão sabiamente disse numa posta mais abaixo.
Um grande grande abraço da sua amiga.

Sra D. Susette disse...

Pois cá ando, à porrada e ao pontapé!
E é como digo, o próprio espelho é de uma pobreza... Acho que mereço uma peça de mobiliário mais gira, e interessante, e curtida!
O que é curioso, é que lado a lado desta Puta Católica, já caminha uma outra - até uns passinhos mais à frente, acho eu - bem mais libertária e "contemporanea" de mim, digamos assim.
Obrigada pelo "Abanão", minha amiga.
Abane sempre.

Sra. D. Celeste disse...

Minha querida amiga por fim fez-se luz nesse espirito.
Era isso mesmo que eu lhe tentei dizer numa das nossas conversas tão acesas. A amiga não está no fim da fila, o que a amiga tem não é pouco e a amiga é linda e uma pessoa incrivel mesmo com essa parva dessa inveja que não tem qualquer sentido.
Já não me arrependo das minhas palavras...porque eu sim tive medo de si!!!
Um grande grande beijo e obrigada por esta magnifica posta, e se me permite o conselho leia todos os dias antes até de se levantar.

Sra D. Susette disse...

Querida Dona Celeste, seguirei a sua prescrição à risca!
Obrigada, minha querida.

Sra D. Pilar disse...

Mas olhe que também foi o espelho que lhe ajudou a fazer esta bonita posta. Acho que tem uma grande capacidade de olhar para o seu espelho e de ver-se. Com a receita da dona celeste e um pequeno ajuste das dioptrias emocionais e começa a ver a bonita pessoa que o seu espelho lhe pode mostrar.

Sra. D. Vitória disse...

Sra. D. Suzete,
a sua não foi uma posta fácil e isto e tudo o que se me oferece dizer. fosgace ou fosgase ou, etntão, tão simplesmente foda-se!

Sra D. Susette disse...

Querida Senhora Dona Pilar, obrigada!
Acho que foi, aliás, essa a razão de ser do meu finca-pé com a Dona Celeste e a Dona Aurora, uma certa noite.
É que se eu, por um lado, tenho a consciência de que o espelho é bastante "invejoso", por outro, sei que não se deve deitar fora o bébé com a àgua do banho. Ou seja: Acho que há algumas imagens no espelho sobre as quais vale a pena ponderar.
E o que eu senti, nessa tal noite com as outras Senhoras, foi que elas caíam em cima de cada coisa que eu dizia metendo-as todas no mesmo saco da "insegurança" ou do "medo"... E eu senti-me um pouco substimada e atacada também, Confesso.
Mas o que interessa, é que tudo se esclareceu. E é como diz, Dona Pilar: Questão de afinamento das "dioptrias emocionais".
Foi uma posta difícil, sim, Dona Vitória. Mas vale a pena deitar cá para fora o que nos envenena e saber que a partilha dos nossos "defeitos" só nos aproxima e humaniza mais...
Um grande beijo a todas as Senhoras.

Sra D. Pilar disse...

e ser humana é uma trabalheira. Essas duas senhoras juntas (e separadas) sao potentes para fazer baixar a autoestima à mais otimista, mas às vezes dao umas muito bem dadas que ajudam muito e se agradecem. Agora sou eu que lhe invejo o tê-las aí pertinho de si.