quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Epifanias de atoalhados

Para as minha amigas que andam a ter problemas com toalhas:
Caríssimas, eu própria já atirei a toalha ao chão, se bem me lembro, pelo menos umas 3 vezes.
Asseguro que correu sempre bem, e que há momentos em que se não o fizermos as decisões seguintes serão merda da grossa.
Depois uma das partes boas de nos livrarmos das toalhas é que nos vamos dando conta de imensas coisas importantes e significativas que existem nas nossas vidas.
O que proponho então é uma lista, que espero que as minhas amigas acrescentem ao longo do tempo em que andarem a pisar, pontapear, cuspir e maltratar a estúpida da toalha.
Aqui vai então a lista das minhas epifanias de atoalhados.
- às vezes esqueço-me de respirar
- muitas vezes ando pela rua mais depressa do que é preciso
- a minha gata tem expressões faciais
- a teoria das Super-Cordas tem inúmeras aplicações no quotidiano
- todos os dias as aranhas fazem teias muito fininhas no estendal
- a máquina de lavar roupa não gira sempre para o mesmo lado
- fumar 3 cigarros de seguida em frente ao espelho pode ser tão válido como ler Nietzsche e Sartre
- o queijo que apodrece no frigorífico não por falta de tempo para o tirar mas porque gramo bolor e gosto de ver as suas mutações
- e que na realidade não controlamos nada na vida

Aqui estão algumas das minhas epifanias. Alguém se anima a juntar algumas à festa??

Inveja

A amiga telefona-me para contar as novidades.

Está muito apaixonada e essa paixão é perfeitamente correspondida.

Dentro de mim inicia-se imediatamente um lamento de pseudo-análise comparativa, completamente idiota:

Tudo o que na história da minha amiga existe em abundância, entre mim e o homem, é escassez.

Se o par da minha amiga procura aberta e constantemente um pelo outro, eu e o homem fingimos casualidade e desprendimento no reencontro, como dois adolescentes parvos.

Se o outro par amoroso troca mensagens ternurentas a todas as horas, entre mim e o gajo, a comunicação à distância reduz-se a uma reles mensagem de dois em dois dias.

Se o sexo entre a minha amiga e o seu prometido é imediatamente íntimo e estonteante; entre mim e o coiso, ele é o espelho da assimetria afectiva e sentimental que grassa entre nós os dois.

Se o supremo casal do lado não consegue evitar tocar-se constantemente; entre mim e o... o.... trava-se a luta que já sabemos.

(Sempre que procuro o contacto físico não-sexual, o homem por quem estou apaixonada entrega-se a uma crise de espasmos, comichões, agitação, e desconforto psico-físico geral. Convulsão que me dá um enorme prazer apaziguar.)

Ou seja.

A inveja que sinto das minhas amigas, que tanto amo, é atroz.

Eu coloco-me sempre no fim da fila, como se nada do que me fosse devido me fosse dado. Pior. Como se a vida fosse sempre mais caridosa com os outros que comigo.

Sei que ambos os lados deste espelho, tão pobre, são uma ilusão.

Tanto a face de cá que me engana, soprando-me ao ouvido que não tenho nada – quando na verdade tenho quase tudo – como a outra face que sorrindo, sádica, me agride com imagens alheias de perfeição tão improváveis quanto as razões da minha decepção, e do meu ressentimento.

Se alguma inveja (dizem os livros) serve para nos tornar conscientes das nossas próprias limtações, talvez a mim sirva para me mostrar quão incapaz sou de avaliar e reconhecer as verdadeiras circunstâncias e factos da minha vida.

A minha inveja, dá-me a medida exacta da minha ingratidão, da minha cegueira, da minha infantilidade, e do meu egocentrismo.

Do meu medo.

Da incapacidade de reconhecer que um homem está apaixonado por mim e me deseja; e de fruir disso.

Da incapacidade de me regozijar com o que recebo todos os dias de tantos lados, de tanta gente que gosta de mim;

MAS, e é o que mais me assusta:

Da incapacidade de OUVIR e genuínamente RECEBER o que a amiga partilha tão feliz comigo ao telefone, preferindo entregar-me a esta parvoíce sem tamanho de só olhar para o meu próprio umbigo, e para a minha vidinha tão difícil, ai que merda, coitada de mim tenho mesmo um azar, é tudo prós outros, caralho.

A verdade, é que a minha amiga tem o que merece.

E eu também.

E não é nada pouco para nenhuma das duas.

Transbordamos de razões para nos abraçarmos e beijarmos e olharmos olhos nos olhos uma da outra e reconhecer que nos amamos, e que a vida nos tem amado muito também.

É mesmo como dizes, amiga: "Ás vezes só me apetece é abanar as pessoas!"

P.S: Eh, lá. Isto anda para aqui um cheirito de Mulher Católica... ou é só impressão minha? ai, que tu tens é de agradecer todos os dias o que a vida te dá, e o caraças... hum?

terça-feira, 26 de outubro de 2010

atirar a toalha ao chão 2


Queridas e amadas senhoras,


Notando-me ultimamente (e olhem que não é de hoje):

- ausente de mim;

- ansiosa por não-sei-o-quê;

- receosa e mais receosa ainda de me estar a tornar receosa;

- saudosa de mim;

- saudosa de vós e da vossa companhia;

- saudosa de um tempo livre e meu que, aliás, vendo bem, vendo bem, nunca tive;

- saudosa de ler, ouvir música, pintar, brincar e picotar;

- dolorida no meu corpinho todo da puta da tensão;

- cansada até mais não poder;

- chorosa e hipersensível;

- com azia;

- bipolar principalmente ao levantar e ao deitar;

- falsamente funcional enquanto desvario por dentro;

- sequiosa de descanso, cuidado, sono, pensamento, divagação, prazer, comunicação e perda de tempo (ou ganho consoante se veja a coisa);

- muito preocupada com questões existencialistas;

- pouco preocupada com produtividade

e sem tempo para cortar as unhas


... venho anunciar-vos em segunda mão que vou atirar a toalha ao chão.


E ai de quem ma apanhar!!! Vou folgar!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


É já partir de Dezembro. Para já, por dois meses.

Depois, logo veremos.


Desejo uma outra arquitectura nos meus dias, mais rebeldia no meu caminho e uma cartografia política diferente dos meus passos no mundo


love you

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Vinis e Colossos

Durante muito tempo senti-me entre mundos diferentes sentia-me como se tivesse permanentemente de fazer a ponte entre duas realidades quase incomunicantes.
Acho que me senti assim desde muito pequena. No livro “As 7 maravilhas do mundo” do Circulo de Leitores era sempre a imagem do Colosso de Rodes que mais me impressionava, ficava horas a olhar para ela.
Senti sempre que tinha de fazer a ponte entre o mundo organizado, rotineiro, moralista, antigo e das conversas de chacha, das pessoas medíocres, das anedotas xenófobas, dos comentários pequeninos e o meu próprio mundo.
Durante muito tempo senti-me assim, e não o digo com orgulho pois durante muito tempo senti que estava dividida e ás vezes desestruturada, outras vezes não sabia de onde vinha aquela minha visão do mundo nem porque pensava ou sentia daquela forma.
Depois descobri alguns pares e aí comecei a sentir que fazia a ponte entre um mundo "mais normal" e outro mundo mais sensível mais profundo mais questionante. Também me trazia bastante angustia pois tentava permanentemente trazer a compreensão para ambos os lados.
Há pouco tempo uma amiga ao ver-me numa situação particular chamou-me a atenção com um comentário (como só ela tão assertivamente sabe fazer) e disse: "Epá estavas com um ar tão vendido, tão próprio”.
Fiquei lixada, depois surpreendida, depois revi-me totalmente naquelas palavras e fez-se um click, e pensei “realmente para que raio tenho de ser tão formal e impingir-me a mim própria estes papeis?”
Agora, olhando para trás, sinto que realmente me estou a cagar que finalmente sem me dar conta optei pelo lado B do vinil. Sinto que parei de virar o disco no prato e que as músicas que passam no lado B apesar de menos conhecidas e mais dissonantes são as que melhor sei trautear e que as posso trautear onde bem me apetecer sem que isso me desestruture.
Também me dei conta que já há algum tempo deixei de sentir a angustia de ter de fazer a ponte, de ter de permanentemente optar por um lado ou pelo outro.
Imagino que se eu fosse o Colosso de Rodes com certeza iria unir as duas pernas e cair de chapão no meio no mar e iria nadar muito muito até encontrar uma ilha, e nessa ilha toda a gente iria falar uma língua parecida com a minha ou pelo menos nos iriamos entender muito bem.
Acho que no fundo o que aconteceu foi que deixei de ter lado.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Desejo

O homem sentado à mesa da sua sala-de-jantar, fala. Terminou de comer e começa a descontrair-se.
O corpo pequeno inclina-se sobre a mesa, apoiado nos cotovelos. As mãos mexem-se elegantemente acariciando as costas uma da outra.
A camisa ligeiramente aberta, mostra um triângulo escuro de pêlos onde eu adoro esfregar o nariz e cheirar.
No fim das frases os olhos abrem-se e olham-me directos, quase sorridentes.
Sobre isto tudo uma voz baixa e muito ponderada avança, e penetra-me pacientemente através do estômago, dos olhos e da garganta.
Eu queria que fosse sobretudo esta voz a possuir-me. É ela que procuro de cada vez que me afundo no corpo do homem.
Os ombros discretamente volumosos encolhem-se de vez em quando por detrás do pescoço curto, em momentos perplexos da conversa. O homem é de uma arrumação espantosa.
As mangas da camisa dobram-se simetricamente até meio dos ante-braços.
No pulso esquerdo, um relógio de aço e couro verdadeiro.
O cabelo escuro amontoa-se ordenadamente sobre as fontes.
As unhas polidas são cortadas muito rente e condizem na mais perfeita exactidão com o vinco das calças e o rigor limpo dos gestos.
Todo o aparelho vocal produz uma dicção perfeita e ligeiramente pedante.
O seu entusiasmo nunca ultrapassa as fronteiras do corpo, cuja gravata, casaco, e botões de punho, se permite retirar no fim do dia.
O homem é um reflexo perfeito da casa, e a casa, do homem.
E eu, o contrário disto tudo.

domingo, 17 de outubro de 2010

É isto

A propósito do tempo que passa, da idade que se soma em números que nem sempre reconhecemos como nossos, a amiga desviou a conversa dos detalhes supérfluos e atirou a frase que me fez tanto sentido.
- Nada disso é importante. Importante é saber que a miúda que eu fui havia de gostar muito da mulher em que me tornei.

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O Abrigo de Senhoras tem o prazer de anunciar que acabou a época balnear.
Bem vindas, queridas amigas, ao tempo das mangas compridas e das noites longas.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Atirar a toalha ao chão

Se eu atirar a toalha ao chão o que é que acontece?
Se atirar a toalha ao chão só para ganhar tempo.
tempo para pensar,
tempo para sentir,
tempo para desacelarar,
tempo para perceber se as coisas podem ser feitas de outra maneira,
tempo para errar, para vagabundear, para me perder e voltar a me encontrar,
tempo para me surpreender e ser surpreendida,
tempo para arrumar e vasculhar o meu sótão,
tempo para ser mais tolerante, mais disponível, mais em contacto com a vida,
tempo para me reinventar e concretizar sonhos que ainda não ousei ter,
tempo para finalmente chorar a morte do meu pai,
tempo para dedicar às minhas filhas, à minha mãe,
tempo para ajudar o meu irmão,
tempo para poder deixar de ser ansiosa,
tempo para conversar, rir e dançar, sem medo do amanhã,
tempo para aguardar o amor,
tempo para viver o amor.
Será que, atirando a toalha ao chão, perderei assim tanto?
Quantos continuarão comigo? Quantos dos que dizem gostar de mim me incentivariam nesta "loucura do recomeço"?
E recomeçar onde, de que forma e em que lugar?

ainda a beleza

A propósito das palavras da Sra. D. Susette sobre o belo e o sexo, lembrei-me do meu Tio Álvaro. Dos muitos irmãos, o Tio Álvaro era o mais bonito, assim reza a lenda de família. Olho para as fotografias e percebo o que todos asseguram: no meio dos irmãos, a figura do meu tio paira sobre todas as outras e faz com que os restantes se dissolvam num nevoeiro de traços perfeitos mais ou menos iguais.
A história da beleza do meu Tio Álvaro é inseparável do incompreensível e estranho gosto que, aos olhos dos outros, este homem sempre teve por mulheres feias. Fazem-se listas dos seus amores, a manuela, parecia um homem, coitada, a teresa, não tinha ponta por onde se pegasse, a amélia, o que vias tu nela, álvaro?, a francisca, saiu-lhe a sorte grande, um camafeu como ela com um pêssego como tu.
O meu Tio ri-se e não diz nada. É a pessoa mais livre daquela família.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O Belo e o Sexo

Conheço um homem que quando descreve uma mulher começa sempre por dizer se é bonita ou feia.
"No outro dia encontrei fulana de tal, uma giraça, com o cabelo assim e assado, bem-feita, etc, etc."
Toda e qualquer mulher que apareça na televisão, no restaurante, no trabalho.
Sempre me ofendeu e me chocou, esta visão meramente utilitária e tão estreita da beleza.
Para muitos homens, a beleza feminina está directamente ligada à ultilidade erótica e sexual.
Mulheres Belas, são Gajas Boas.
Mulheres Belas são Coisas Eróticas.
Um dia resolvi comententar, mais sonsa que uma freira, mais cínica que um grego: "tu valorizas muito a beleza nas mulheres, não é...?"
O homem ofendeu-se.
"valorizo como? Não. É só a coisa que está mais à vista, é só isso."
Prossigo: "Não, querido. É uma coisa que está mais à TUA vista. Dá a impressão que numa mulher, tu valorizas a beleza como se valoriza uma qualidade de carácter..."
"Eu...? Não é nada disso. estás completamente enganada.".
-"Diz-me lá... Eu posso apostar que todas as amigas que tens são bonitas, hum?"
O homem engasga-se. Consegui cortar o piu a um advogado.
-"Ah! Ah! Ah! EU SABIA!"
Está desorientado. Fica indeciso entre desmerecer a beleza das amigas para se defender, ou enaltecê-la gigantescamente para justificar o facto.
E é então que se sai com esta pérola:
"Tu não percebes, para mim é só uma coisa sexual, é uma questão de saber se comia a gaja ou não. E além, disso, eu até tenho amigas feias."

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

retrato fiel

tapo a boca, ato as mãos, assobio e disfarço
na ponta dos dedos a tentação do disparate, sinto-os a procurarem a folga entre os nós, a cavar a fuga num trabalho silencioso
o trabalho que dá salvar-me de mim mesma

domingo, 10 de outubro de 2010

Homo Autistus

Queridas amigas e apreciadas colegas de investigação, sra dona judite que por momentos temeu que por estes lados se tinha abandonado a causa cientifica, um grande bem haja a todas.

Venho dar um pequeno e modesto contributo ao estudo laborioso e valioso da sra dona Judite, sobre os diferentes grupos ou características dos homo que nos rodeiam.

Depois de vários dias de intensa observação e registo, julgo que consegui por fim identificar claramente o Homo Autistus, o que considero pode ser útil no sentido em que ao ser passível de identificação, evita que se caia em trabalhos ou esforços inecessarios quando interagirmos com sujeitos desta tipologia.

O Homo Autistus tem uma capacidade inesgotável para falar. E consegue falar sozinho durante muito tempo sem necessidade de qualquer esforço de função fática da linguagem por parte da pessoa (ou pessoas) com quem, supostamente, está a comunicar. Esta característica pode ser útil para quem interlocutar com ele, pois tem tempo para pensar nas suas coisas e retomar a conversa quando lhe apeteça.

O Homo Autistus gosta de ouvir-se, gosta de brilhar no social, de ser considerado inteligente e melhor que todos os demais homo, gosta de falar mais alto e mais grave para fazer-se ouvir. O homo autistus pode ser muito divertido ao principio mas depois de um tempo torna-se uma parede com um interruptor que se acciona pelo movimento ao seu redor. O Homo Autistus tem medo de ficar sozinho e fala, falazaza e chalaceia para que gostem dele, mas não consegue ligar as palavras ao coração, não consegue suportar o silêncio necessários para que essas palavras possam ter ainda mais sentido, e, surpresa das surpresas, o seu canal auditivo está directamente ligado ao seu umbigo. Apesar de que o Homo Autistus é mais frequentemente encontrado nos seres masculinos, também muitas das características que o definem podem ser observadas em feminas. O Homo Autistus pode ser um bom amigo, mas quase nunca um bom namorado.

Espero que a sra dona Judite aceite este meu modesto e empírico contributo e que lhe possa ser de alguma forma útil para o estudo e compreensão dos espécimes que nos rodeiam.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

as paredes da cidade sabem-na toda


A saída é ali, põe-te a andar. Leva contigo os dramas e os delírios. Aqui só há uma parede.
Adeus.