sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Presépio

A minha tia, é uma santa.
Nunca ninguém está tão cansado quanto ela, nem ninguém guarda mais o sofrimento abnegadamente para si.
No entanto, não simpatiza muito com a segunda mulher do meu pai. De cada vez que se encontram para fins-de-semana, (todos os fins de semana) na casa de família, mostra-o "acidentalmente" através de um conjunto de atitudes veladas.
"A "X" não tem nada a ver com a tua mãe", explica-me. Mas eu lembro-me bem como ela tratava a minha mãe exactamente da mesma forma, nesses mesmíssimos fins-de-semana em família.
O meu pai finge que não vê. O meu pai é um santo.
Que teve uma ligação durante anos com esta mulher ainda casado com a minha mãe, e que passados dois anos sobre a sua morte a levou a viver para a mesma casa onde vivemos nós todos, durante trinta anos.
A maioria dos objectos que povoam a casa permanecem os mesmos.
Só não se casam por não quererem perder as pensões de viuvez.
A minha mãe era uma santa.
Que sabia desta ligação com o meu pai tendo ela própria um amante, que manteve até morrer. Existe uma forte possibilidade de eu ser filha deste senhor. Ninguém me disse nada, iam-me dizer para quê.
A segunda mulher do meu pai é uma excelente pessoa.
Precocemente viúva de um primeiro e muito breve casamento, esperou pacientemente pelo meu pai anos a fio, enquanto o secretariava no banco onde trabalhavam.
Agora para compensar, chateia-se violentamente com a mãe para o meu pai assistir, todos os dias.
É filha única e depois de enviuvar, regressou a casa dos pais, os dois também excelentes pessoas, onde viveu até aos 54 anos.
Da sua ingestão diária de alimentos fazem parte pelo menos 2 comprimidos "para a depressão".
Nos "fins-de-semana em família" faz questão de beijar e namoriscar com o meu pai à frente da minha tia.
A minha prima mais velha, é uma querida.
Que se casou com um homem fantástico mas que tem alguns problemas em "gerir as pulsões violentas que sente em relação ao mundo e às pessoas".
São ambos psicólogos.
A minha prima fala-me frequentemente das dificuldades que eu tenho em viver a minha própria vida, enquanto o seu marido a encorna de manhã à tarde e à noite com colegas de trabalho, e afins.
"Eu e o "X" berramos muito um com o outro mas depois acaba sempre tudo na tranquilidade.", explica. Acabar tudo na tranquilidade é, por exemplo, estarem a berrar uma hora sobre qual o melhor caminho para chegar ao Meco - são ambos ases da estrada - e no fim um deles desistir, furioso e derrotado.
A minha outra prima é encantadora.
Emigrou para muito longe mas vem cá pelo menos duas vezes por ano para se chatear com a mãe. Mas a minha tia - porque mãe é mãe - faz sempre questão de a ir levar ao Aeroporto.
Na despedida, entrega à pressa pequenas lembranças de cá à minha prima, para ela se poder deleitar durante a viagem.
Na última despedida, ofereceu-lhe várias coisas como por exemplo "tu és a pessoa mais egoísta do mundo, se eu hoje estou um caco e se o teu pai me deixou, foi por causa de ti. Eu não sei como é que és minha filha."
Já o marido da minha outra prima, dá-se bem com toda a gente.
Só lhe faz um bocadinho de confusão a mulher do meu pai. Como bom psicólogo que é, diz coisas do género "mas quem é que ela pensa que é, eu estou nesta família há muito mais tempo do que ela."
Recentemente, num desses fins-de-semana em que, lamentávelmente, eu não estive presente, tratou de explicar isso mesmo à mulher do meu pai, berrando-lho pacientemente durante três horas.
Com as crianças a assistirem.
Foi uma conversa equilibrada porque a mulher do meu pai também berrou de igual forma, para o meu pai ouvir.
O meu pai "por acaso" não estava presente porque estava a dormir no quarto ao lado sa sala, onde a "conversa" teve lugar.
Ora, toda a gente sabe quão pesado é o sono do meu pai.
Eu "por acaso" também não tenho estado presente nestes fins-de-semana de família.
Mas não deixo de me congratular com a enorme capacidade que a minha família tem em viver bem com cada um dos seus elementos e em expressar os sentimentos e as emoções de forma equilibrada.
Principalmente a generosidade emocional de todos, é o que mais me conforta.

3 comentários:

Sra D. Aurora disse...

minha querida amiga, já lhe disse que gosto muito de si? E do que escreve, pois está claro. E agora que fiquei sem palavras para comentar o seu texto, vou mazé tentar alinhavar umas ideias sobre a minha igualmente maravilhosa família.
ah, lembrei-me deste livro:

http://books.google.com/books?id=3U_grAdfyUwC&dq=families+and+how+to+survive+them&printsec=frontcover&source=bn&hl=pt-PT&ei=H2iTTLqpKJCK4AaN3sGxBA&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=4&ved=0CCoQ6AEwAw

Sra. D. Celeste disse...

Minha cara e boa amiga, só me resta disponibilizar a minha presença para um desses fins-de semana.
No próximo leve-me consigo e faze-mos uma boa dose de pipocas mais uns cêgripes, pedimos os super poderes de invisibilidade do nosso menino e ficamos sentadinhas no sofá e fazer comentários baixinho.
De vez em quando mandamos umas bocas para o ar quando aquilo começar a correr melhor (só para apimentar)
Até é capaz de se transformar num serão "giro".

Alguem se junta?

Beijinho querida Susette

Sra D. Susette disse...

Oh, minha querida dona Celeste!
E quem bons dois velhotes dos Marretas daríamos!!!
Eu acho que há aqui muito potencial...
Grande beijinho também para si, minha querida.