quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Minhas queridas senhoras,
Regressada de umas retemperadoras férias entre a montanha e o mar, o campo e cidade, o bucolismo dos passarinhos da côte d'azur (passarinhos rafinés, bien sur, bebem água evian nas esplanadas com capelines esvoaçantes na cabeça) e a vibração cosmopolita de nova iorque em fim de verão, chego aqui exausta mas com a alegria do prazer cumprido.
Nada sei das minhas companheiras de abrigo, tirando um ou outro recado aqui postado de tempos a tempos. Quer dizer, até sei. Sei que algumas de vós andam a braços com memórias familiares absolutamente harmoniosas e felizes, que uma senhora se dedica freneticamente a fotografar paredes, que outras tantas se esfumaram em textos distantes no nevoeiro do verão que passou.
E com tudo isto, fico preocupada. Vejo as minhas boas amigas desaparecerem entre paredes e famílias felizes, suspeito que abandonaram os valorosos projectos de investigação em curso, e fico para aqui em cuidados (desnecessários, talvez) que me aceleram o coração em taquicardias inúteis.
Peço-vos, por isso, que dêem notícias a esta vossa viajada (porém atenta) amiga.
É que não há coração que resista a tamanha espera.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

agora deu-me para isto

Agora deu-me para fotografar paredes.
Podia ser pior.
Foi na fonte da telha, um amontoado de barracas em cima do mar. Parei para fotografar a heidi e logo um homem me veio explicar que foi ele que construiu aquela barraquinha há mais de trinta anos, a casa era de uma velha que vivia com os netos, já morreu há cinco anos coitada, mas se a menina quiser mostro-lhe o meu jardim que está ali à frente, flores lindas, de todas as cores, fomos nós que construímos isto tudo há mais de trinta anos, a velha já morreu mas as minhas flores ainda ali estão.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Eu e a cidade

Este ano anda esquisito. Ou então sou eu que ando esquisita e passeio por sítios estranhos e tenho encontros bizarros. Ou então crescer é mesmo isto, sair do útero materno onde tudo e todos são bonitos bem intencionados felizes e equilibrados e dar de caras com um mundo cheio de pessoas que carregam às costas dores das quais não querem não conseguem não podem libertar-se.
Há dias reli A Sonata de Outono do Tolstoi e encontrei a frase que resume o que vejo ao meu lado: "Na cidade, uma pessoa pode viver cem anos e não reparar que já morreu há muito e apodreceu".
Às vezes apetece-me tocar-lhe no ombro e dizer-lhe isto baixinho. Mas depois percebo que já passou tempo demais para o poder trazer de volta à vida.
(custa-me tanto ser ateia e não acreditar nestes milagres)

segunda-feira, 20 de setembro de 2010


Vi isto numa parede do meu bairro e lembrei-me do presépio da sra d susette, da família da sra d yvette e de outras palavras por aqui penduradas que me puseram a pensar sobre o sítio onde aprendemos a ser, as pessoas que habitam os t-qualquercoisa das nossas infâncias e que nos vão acompanhando ao longo dos anos.
Aprendi a ser num sítio estranho. Lembro-me das discussões que me acordavam a meio da noite, eu a espreitar pela frincha da porta da sala com medo do que viria a seguir, as separações e reencontros dos meus pais, a minha irmã e eu no banco de trás do austin a caminho do cabeleireiro com a nossa mãe e afinal o carro parado, os planos mudados, a minha mãe a chorar e a fingir que não era nada. Aprendi a ser num sítio onde os fins de semana com o meu pai eram uma tortura, o frigorífico cheio de nada, a garrafa de aniz e umas bolachas recheadas, o quarto dele de onde saíam mulheres diferentes nas manhãs de domingo, a malinha que nos acompanhava com as camisas de noite e as escovas de dentes para dois dias inteiros em que o tempo se arrastava devagar. Aprendi a ser num sítio estranho, onde o amor não chegava para nada, onde o amor era um cavalo branco que só passa uma vez na vida e que se perde porque as histórias de amor só têm finais felizes nos livros.
O que vale é que sou uma rocha e nada disto perturbou o meu coração, cabeça e estômago.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Presépio

A minha tia, é uma santa.
Nunca ninguém está tão cansado quanto ela, nem ninguém guarda mais o sofrimento abnegadamente para si.
No entanto, não simpatiza muito com a segunda mulher do meu pai. De cada vez que se encontram para fins-de-semana, (todos os fins de semana) na casa de família, mostra-o "acidentalmente" através de um conjunto de atitudes veladas.
"A "X" não tem nada a ver com a tua mãe", explica-me. Mas eu lembro-me bem como ela tratava a minha mãe exactamente da mesma forma, nesses mesmíssimos fins-de-semana em família.
O meu pai finge que não vê. O meu pai é um santo.
Que teve uma ligação durante anos com esta mulher ainda casado com a minha mãe, e que passados dois anos sobre a sua morte a levou a viver para a mesma casa onde vivemos nós todos, durante trinta anos.
A maioria dos objectos que povoam a casa permanecem os mesmos.
Só não se casam por não quererem perder as pensões de viuvez.
A minha mãe era uma santa.
Que sabia desta ligação com o meu pai tendo ela própria um amante, que manteve até morrer. Existe uma forte possibilidade de eu ser filha deste senhor. Ninguém me disse nada, iam-me dizer para quê.
A segunda mulher do meu pai é uma excelente pessoa.
Precocemente viúva de um primeiro e muito breve casamento, esperou pacientemente pelo meu pai anos a fio, enquanto o secretariava no banco onde trabalhavam.
Agora para compensar, chateia-se violentamente com a mãe para o meu pai assistir, todos os dias.
É filha única e depois de enviuvar, regressou a casa dos pais, os dois também excelentes pessoas, onde viveu até aos 54 anos.
Da sua ingestão diária de alimentos fazem parte pelo menos 2 comprimidos "para a depressão".
Nos "fins-de-semana em família" faz questão de beijar e namoriscar com o meu pai à frente da minha tia.
A minha prima mais velha, é uma querida.
Que se casou com um homem fantástico mas que tem alguns problemas em "gerir as pulsões violentas que sente em relação ao mundo e às pessoas".
São ambos psicólogos.
A minha prima fala-me frequentemente das dificuldades que eu tenho em viver a minha própria vida, enquanto o seu marido a encorna de manhã à tarde e à noite com colegas de trabalho, e afins.
"Eu e o "X" berramos muito um com o outro mas depois acaba sempre tudo na tranquilidade.", explica. Acabar tudo na tranquilidade é, por exemplo, estarem a berrar uma hora sobre qual o melhor caminho para chegar ao Meco - são ambos ases da estrada - e no fim um deles desistir, furioso e derrotado.
A minha outra prima é encantadora.
Emigrou para muito longe mas vem cá pelo menos duas vezes por ano para se chatear com a mãe. Mas a minha tia - porque mãe é mãe - faz sempre questão de a ir levar ao Aeroporto.
Na despedida, entrega à pressa pequenas lembranças de cá à minha prima, para ela se poder deleitar durante a viagem.
Na última despedida, ofereceu-lhe várias coisas como por exemplo "tu és a pessoa mais egoísta do mundo, se eu hoje estou um caco e se o teu pai me deixou, foi por causa de ti. Eu não sei como é que és minha filha."
Já o marido da minha outra prima, dá-se bem com toda a gente.
Só lhe faz um bocadinho de confusão a mulher do meu pai. Como bom psicólogo que é, diz coisas do género "mas quem é que ela pensa que é, eu estou nesta família há muito mais tempo do que ela."
Recentemente, num desses fins-de-semana em que, lamentávelmente, eu não estive presente, tratou de explicar isso mesmo à mulher do meu pai, berrando-lho pacientemente durante três horas.
Com as crianças a assistirem.
Foi uma conversa equilibrada porque a mulher do meu pai também berrou de igual forma, para o meu pai ouvir.
O meu pai "por acaso" não estava presente porque estava a dormir no quarto ao lado sa sala, onde a "conversa" teve lugar.
Ora, toda a gente sabe quão pesado é o sono do meu pai.
Eu "por acaso" também não tenho estado presente nestes fins-de-semana de família.
Mas não deixo de me congratular com a enorme capacidade que a minha família tem em viver bem com cada um dos seus elementos e em expressar os sentimentos e as emoções de forma equilibrada.
Principalmente a generosidade emocional de todos, é o que mais me conforta.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

uma volta no bairro

e descubro isto.
tento perceber o sentido, mas escapa-me por entre a falta de cafeína e a confusão existencial que se agrava todas as manhãs.
se ao menos eu soubesse 'somente aquilo que sou'.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Há pessoas....

....que são assim na nossa vida. Vão e vêm, mas na realidade estão sempre lá.
Esta pessoa é a primeira pessoa de que me lembro, da minha idade, para além de mim.
Sempre fomos muito diferentes em muitas coisas, mas partilhamos um material qualquer que nos tem mantido unidas até hoje.
Ela gosta de 7up e eu de Coca-cola, ela come quilos de fruta e eu adoro croissants de chocolate, ela guarda tudo e não fala, eu rebento falo muito e depois arrependo-me, ela era mais namoradeira na adolescência agora sou mais eu.
Há muitos anos atrás eu fiquei chateada quando ela beijou o rapaz de quem eu gostava e ela deve ter ficado chateada quando percebeu que eu gostava do namorico dela, mas nem isso nos fez ficar muito muito chateadas uma com a outra.
Depois existem outras coisas, o funeral do gato recém-nascido, as férias da Páscoa na Beira-Alta, as brincadeiras aos detectives em que descobriamos droga no sótão, as fugidas de casa e as subidas ao telhado do meu prédio, a descoberta do mundo dos rapazes e que eles eram "giros hihihi!", as brincadeiras na rua e quando saímos vestidas com as roupas das nossas mães e tinhamos de fugir dos rapazes, as brincadeiras com as Barbies e a Cindys e de quando fingiamos adormecer em casa uma da outra para podermos dormir lá.
Depois afastámo-nos um pouco durante uns anos sem nunca desaparecer totalmente.
Há uns anos reencontrámo-nos e percebemos novamente temos muito em comum e que partilhamos mundos muito próximos. Há também a certeza de que tenho um quarto sempre à minha espera e a certeza de que basta um telefonema em pranto para eu largar tudo e ir a correr.
Tudo isto faz-me sentir que é assim, há pessoas que de alguma maneira nunca sairão das nossas vidas.
Sabes bem que isto é para ti minha querida tal como eu sei que mais dia menos dia virás aqui ler isto.
Um beijinhos cheio de uvas e tacinhas da tuperwere.