domingo, 28 de fevereiro de 2010

enigma


Hoje é domingo e acordei cedo para ir tomar café, ansiosa pela mensagem que me poderia trazer o pacote de açúcar, disposta a abrir o coração ao doce oráculo que me guiaria na procura de um novo amor. Mas agora estou aqui aturdida, sem saber o que fazer com este enigma. Dizia assim: "Numa comida familiar o tio Bernardo pergunta à Laura quantos anos tinha ela. Anteontem tinha 15, responde a Laura, no próximo ano farei 18. Em que dia calha o aniversário da Laura?"

Não sei se preparar-me para conhecer um Bernardo ou uma Laura com apetência para a matemática, ou se arriscar-me a uma sobredose de cafeína e tentar de novo a minha sorte.

de par em par

Durante algum tempo, talvez bastante, a janela do meu peito estava enguiçada. Não conseguia fechá-la completamente e entrava-me o frio, o pó, a chuva. Também não consegui abri-la porque tinha medo que o sol entrasse e me ofuscasse os olhos e a alma e me estragasse a madeira com o seu calor. E assim estive, com a janela que nem abria nem fechava, todos os dias limpava o pó e protegia a madeira com tapetes, tanto passava frio como tinha calor, sempre indecisa. Há uns dias resolvi por fim abri-la de par em par, para que por fim pudesse sair o frio que afinal vinha de dentro da mim e não de fora. E agora aqui estou, desacostumada da intempérie, da luz do sol, do canto dos pássaros, desabituada de mim com a janela aberta, sem saber o que fazer a este inverno disfarçado de primavera.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Surdez

O problema das janelas abertas é que, de repente, se ouve vento em todo o lado. É como quando se está grávida e parece que o mundo é habitado por outras mulheres como nós, barrigudas e à espera do dia. Uma senhora deixa a janela aberta, diz que é melhor para espantar fungos micróbios e poeiras, diz que os perigos não são assim tantos, que o maior perigo é viver fechada com todas as chaves. Mas, minhas queridas amigas, de repente e sem saber como, essa tal senhora dá por si a ouvir correntes de ar em todo o lado. Atravessa a rua e sente um rumor . Prepara-se para o pior, mas afinal é só um jornal deixado num banco de jardim. Em casa há qualquer coisa que mexe, revê o plano de emergência para ventanias domésticas. Afinal é só a água que ferve para o chá.
Poderá a surdez ser a salvação para o sobressalto desta senhora?

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Gosto de ti como és ..ainda.....

Gosto de ti como és.
Gosto de ti como és e gosto muito, porque é uma sorte existires na minha vida.
Gosto mesmo de ti como és simplesmente porque não vês bem.
Gosto de ti como és porque não vês que sou linda de morrer, sou muito inteligente e "muito à frente", tenho um humor agudo e cozinho bem, sou óptima amante e sou interessante, sou divertida e profunda, sou intensa e companheira e até sou um bocado triste e melancólica às vezes, e, gira à brava (esta já disse não é?).
Bem, no fundo gosto de ti como és, porque és parvo e és míope, porque não me ligas nenhuma e até nem me dás valor.
Gosto de como és porque na realidade és sempre igual, gostas da mesma música que eu e ris-te de algumas das minhas piadas apesar de não compreenderes a profundidade do meu humor, és bom amante e inteligente, és um bocadinho chato e pesado, és egoísta e monocórdico na tua existência, discutes comigo e dás-me bem a volta, gosto de ti porque me alimentas o drama ao mesmo tempo que devagarinho me destróis o ego, gosto de ti porque juntos buscámos desesperadamente dar algum sentido a isto que vivemos porque sabemos que é impraticável e bastante irreal.
Portanto gosto de ti como és porque esta relação tem tudo para certo, vai de vento em popa e no bom caminho.
Gosto de ti como és porque cada vez me sinto mais longe e não estava à espera disso, nem de te sentir de repente tão longe também.

Gosto de ti como és porque.....és giro e no fundo não és má pessoa.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Exclusividade

Se me amas, só me desejas a mim.
Mas eu posso desejar outros porque, no meu caso, é diferente.
A minha matemática da exclusividade:
Sexo+intimidade = Amor
Amor = Desejo + intimidade
Eu amo-te mas fodo com outros
Porque não estou bem
Porque me sinto insegura
Porque nunca fui amada como merecia
Porque não sinto o teu amor
Tu fodes com outras
Porque é sum cabrão
Porque és emocionalmente desonesto
Porque não me amas
Porque és um cobarde

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Catorze de fevereiro

O dia dos namorados enerva-me. Por todo o lado, imagens pirosamente insuportáveis de casais felizes e sorridentes, corações encarnados, ideias para presentes, dengosices e escapadelas. Que enjoo.
Eu, que não tenho namorado, que não quero ter namorado, quero que se lixem os jantares românticos e as delicodocices do dia catorze.
Hoje, para comemorar o amor pegajoso que não quero ter, vou dar a primeira foda anónima da minha vida.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Por falar em pais........

Se quero dar um nome ao meu esse nome será ausência.
Ausência e espera.
A ausência sempre foi a presença do meu pai e como a ausência é vazio o vazio tem de se preencher, preencher com sonhos, com viagens, com carinhos, com segredos, com cumplicidade.
Quando não se conhece verdadeiramente uma pessoa imagina-se como ela é.
O meu pai foi para mim, durante muito tempo, um intelectual de esquerda com toques de terrorismo e panfletos, reuniões secretas e metralhadores escondidos no blusão, um verdadeiro conspirador no pós 25 de Abril.
O meu pai durante muito tempo para mim, teve barba e fumava muito, bebia cerveja e usava blusão de cabedal, tinha o cabelo aos caracóis e era magro e lindo de morrer.
Esperava sempre pelo verão onde iriamos acampar numa praia qualquer da costa alentejana só os dois, eu e ele, ele a contar-me as suas aventuras e eu pequenina a sentir-me protegida, amada e a construir uma alma rebelde herdada por ele.(isto nunca aconteceu)
Esperava ansiosamente por todas as 5as feiras que era o dia em que comia-mos arroz de pato ao almoço.
Esperei anos que ele deixasse a sua nova familia para se juntar a mim, ele próprio me disse um dia “Estou farto! Um dia divorcio-me e vamos viver os dois.” (com o teu irmão (esta parte era secundária)). E eu acreditei, acreditei tanto mas tanto tanto. Finalmente iria ter o meu pai só para mim. Iria partilhar a vida com aquele homem bonito, arrogante, inteligente, que percebia imenso de música e tinha um espirito rebelde.
E eu? Eu iria ser igual a ele, e ainda melhor, iria ser ainda mais independente, ainda mais inteligente ainda mais culta, ainda mais qualquer coisa, porque no fundo eu queria ser como ele.
E porquê? Simplesmente porque queria que ele gostasse de mim.

Agora olho para trás e vejo que ele nunca esteve lá, que me baseei em factos soltos, em fotografias antigas, em esperas que tinham de ser preenchidas com imaginação e que vivi sempre com a esperança de termos uma vida comum.
Agora olho para trás e vejo que a minha esperança morreu aos poucos porque ele nunca deixou a família, nunca foi tão infeliz como dizia nem nunca me incluiu como eu merecia.
Agora vou de vez em quando jantar lá a casa e existe uma paz semi-podre, um silêncio do passado que não pesa mas se sente.
Este é o meu pai, o pai que “tive” e tenho, um pai que foi todo inventado por mim.
Mas foi o que tive toda a vida e não posso deixar de acreditar que ele foi assim algures lá atrás, não posso porque então o que tenho é NADA.

A Chave

Na mesinha do escritório está um molho de chaves donde espreita uma etiqueta verde com a letra do meu pai: "Casa da X". (Há que manter a ilusão do anonimato nas coisas do Blog).
Muitas das chaves desse monte, já nem sei onde pertencem. Casa, cofre, portão, gaveta, armário, caixa. Há muitos sítios onde uma chave pode caber.
Para mim, deitar chaves fora é pecado. Chaves e livros, por mais inúteis, nunca consigo.
Assim, o monte na mesinha do escritório vai crescendo.
"Casa da X". O meu nome escrito pelo punho do meu pai.
Eu não sei muito bem quem é o meu pai.
Quer dizer, sempre vivi com ele, a minha família sempre dançou a música da família tradicional, (ou seja, cheia de segredos por baixo mas nunca se falando de nada por cima) mas o que sei do meu pai, acaba por se reduzir a meia-dúzia de clichés que se dizem sobre as pessoas de bem.
A mãe era uma espécie de Diário da República do Pai: O Pai criava as leis e a Mãe publicava-as.
As leis do Pai eram três: Dinheiro, Sim, e Não.
O amor do Pai existia mas era como dinheiro preso no banco, não se lhe podia mexer. De três em três meses chega o extracto pelo correio dando conta das carradas de contos de reis a crescer, mas dentro da carteira, nada.
Tenho pensado muito no meu Pai, por estes dias. Agora que a minha mãe morreu, o gajo já não se pode esconder.
Agora que a minha mãe morreu, quem manda sou eu.
O meu Pai tem uma cópia das chaves da minha casa, para o caso de ser preciso.
No caso de eu perder as minhas, o que é mau, porque eu tenho de saber tomar conta das minhas coisas. No caso de eu cair inconsciente em casa e ser preciso salvar-me. No caso de haver uma inundação ou um incêndio. No caso de um dia.
A única vez que o meu pai usou estas chaves foi para me regar as plantas nas férias. Metade morreu por excesso de água.
Cheguei a casa, e tinha duas plantas mortas. Ensopadas em água.
O meu pai era muito bonito, todas as amigas da minha mãe o diziam. E a minha mãe concordou.
A minha mãe era linda e o seu pai fotografou-a centenas de vezes em biquini quando tinha catorze anos. Quem tem essas fotografias sou eu.
Quando éramos jovens, a minha mãe pegava em mim e na minha irmã e enfiava-se connosco no centro comercial Amoreiras a torrar dinheiro em roupa.
Quando chegávamos a casa, faziamos passagens de modelos para o meu pai.
Durmo com muitos homens, por estes dias. Os homens são um mistério para mim. Estão ali á minha frente e dizem que sim mas depois é como se não estivessem.
Usam eufemismos patéticos para não dizerem"foder" quando "foder" é o que querem.
É fodido, ter um Pai misterioso.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A janela (novamente porque isto é um blogue que se presta a monotemas).

(De repente já não sinto raiva, não me apetece falar mais, não me apetece tomar uma decisão e tenho medo de ter medo.)

Deixei a janela aberta muito tempo, está tudo desarrumado, desalinhado, caótico, confuso, escuro e partido.
Por entre estes escombros caminho devagarinho, e, em silêncio, pé ante pé para não me fazer ouvir quero-me invisível.
Caminho muito devagar até à janela e quero fechá-la, e sei que o vou conseguir mas sei que talvez não seja no tempo que imagino nem com a força e determinação que ambiciono.
Talvez tenha de a fechar muito devagarinho e em silêncio e quase eu invisível com muito cuidado e delicadeza para ninguém me ver, para eu própria não me ver.
Não tenho forças. Não tenho forças para arrumar, não tenho forças para a fechar, não tenho forças para lutar e nem sequer tenho forças para ter raiva.

Acho que vou ficar assim quieta muito sossegada num canto desta sala que é o meu peito, em contemplação, a ver a janela a fechar-se sozinha, e só quando não houver uma réstia de luz aí sim vou poder descansar e vou dormir e vou deitar o meu corpo mesmo em cima do caos e dos cacos e dos restos, e recuperar todas as forças de que sou feita.
Irei surgir, não das cinzas como a Fénix, mas dos escombros que também ajudei a criar. E sinceramente não sei como vou surgir mas será certamente um pouco diferente.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

(des)arrumações

Cá em casa, quem desarruma, arruma!

Quando é que tu apareces para arrumar o que andas para aqui a desarrumar?

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

dos animais de estimação

Querida Ermelinda,
li o seu desabafo sobre o animal de estimação e queria dirigir-lhe umas palavras de ânimo. Aproveite-o bem, leia os poemas e beba as cervejas que ele lhe oferece, aceite com um sorriso a devoção que ele lhe tem. Os animais de estimação são fiéis e, se bem cuidados, podem dar muitas alegrias às suas donas. Digo eu isto porque, ao contrário de si, o meu animal de estimação não é um poético decadente apaixonado, desses que bebem o ar que respiramos, mas um provável louco varrido que me acompanha à distância há anos. Em vez de poemas e cervejas oferece-me uma perseguição silenciosa e sem tréguas. E uns quantos sustos pelo caminho.
Invejo a sua sorte e imagino-me a beber portos tónicos com um animal de estimação sensível e dedicado, a levá-lo docemente pela trela nas ruas da cidade, a alimentá-lo com migalhas feitas de palavras e sorrisos e que mais me apetecer.
Por isso, minha querida senhora, minhas queridas senhoras, tratem bem os vossos animais de estimação, eduquem-nos na obediência e no amor reverencial, e vosso será o caminho do céu.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

está uma senhora

Está uma senhora muito descansada na sua vida, com uma mão cheia de certezas e decisões - sim, que isto de crescer diz que acrescenta em sabedoria, uma espécie de visão raio-x que nos faz ver tudo claro, tão claro, claríssimo, num fulgor quase religioso.
Perdi-me e vou recomeçar: dizia eu que está uma senhora tão descansada na sua vida e descobre que tem uma janela aberta no peito (eu não deixei isto assim, sei bem os perigos das correntes de ar, uma constipação, um objecto que voa sala fora e se estilhaça no chão) e de repente essa senhora dá por si sem saber o que fazer com aquela janela.
Na dúvida, lança a pergunta às outras senhoras, companheiras de abrigo. O que deve a nossa heroína fazer?
a) fechar a janela antes que qualquer coisa em qualquer altura possa záas, senhora prevenida vale por duas ou três
b) deixar a janela aberta, afinal de contas não andam por aí tufões ao virar da esquina, senhora destemida vale por cem