terça-feira, 6 de julho de 2010

Ananases e avôs

Eu tive dois avôs, como toda a gente na realidade.
Bem na verdade tive três mas quero falar dos pais dos meus pais, o Eliseu, o homem mais doce que conheci terá uma posta só para ele um dia destes.
Conheci ambos os meus avôs e ambos já morreram, aliás morreram os três.
O pai da minha mãe de nome Artur há muitos anos atrás ainda a minha mãe e a minha tia eram pequenas, vendeu tudo o que tinha, terrenos e propriedades, e emigrou para o Brasil.
A minha avó era muita nova quando casou com ele e não teve uma vida nada fácil.
O meu avô perdeu tudo segundo reza a história enganado por um primo.
Dormia num carro e vendia ananases (e outras frutas também), houve ainda uma altura que toda a família foi viver para o Brasil, a minha avó com as miúdas e os meus bisavós maternos.
Isto deu em divórcio e perderam o contacto com o meu avô durante muitos muitos anos.
Quando eu tinha treze anos a minha mãe decidiu ir à procura do pai e foi três meses para o Brasil.
A verdade é que o encontrou. A ele e a toda uma nova família. O Artur vendia sapatos, tinha uma mulher de ascendência indígena e três filhos. A Juliana, dois anos mais velha do que eu, e dois gémeos, Leandro e Leonardo (não comentem por favor eu sei que é demasiado mau) um ano mais novos do que eu. Isto de ter tios mais novos sempre me fez confusão.
No Brasil o meu avô era o pórtuguêis.
Ainda houve uns anos de troca de cartas e uma visita a Portugal do meu avô e da sua esposa.
Nessa visita a minha tia fez questão de lhe demonstrar que nunca o iria perdoar, a minha avó fez questão de lhe demonstrar o quão bem sucedida tinha sido na vida sem ele, a mulher dele fez questão de dizer que tinha feito uma macumba para o agarrar, a minha mãe fez questão de o tratar muito bem e eu não me lembro de fazer questão de nada, talvez treinar o sotaque brasileiro que era divertidíssimo para mim.
O meu avô morreu há uns quatro anos e só depois da sua morte é que comecei a referir-me a ele como o avô, eu dizia sempre o Artur ou o teu pai e a minha mãe perguntava porque eu não lhe chamava avô “ Porque não o conheço de lado nenhum” respondia eu.
A ver se me lembro de um dia destes dizer à minha mãe que agora já percebo como se pode gostar tanto de alguém que é tão ausente.

O meu outro avô era o Carmelino.
Lembro-me que tinha umas suíças enormes e um risco ao lado puxado desde a orelha. Era um homem sisudo e calado, parecia que estava sempre chateado, na verdade o avô Carmelino dava-me um bocado de medo.
O meu avô Carmelino dizia que eu era a sua verdadeira neta porque era a mais velha e quando o encontrava na rua ou ia lá a casa dava-me sempre quinhentos escudos e dizia “Toma, é para comprares um Rajá!” eu pequenina pensava “Mas que raio é um Rajá, ele ainda não sabe que existe o Epá e o Fizz limão?” Na altura eu ainda não percebia as subtilezas dos adultos e que aquilo era só uma maneira que ele arranjou de dizer que gostava de mim. Às vezes quando me obrigavam e ir cumprimenta-lo à tasquinha do Largo da Igreja ele comprava-me um chocolate da Regina com recheio de morango. Eu detestava ir ter com ele à tasca.
E agora ocorreu-me, será que havia com recheio de ananás? Bem mesmo que houvesse eu acho que nunca teria tido coragem para lho perguntar.

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