segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Vinis e Colossos

Durante muito tempo senti-me entre mundos diferentes sentia-me como se tivesse permanentemente de fazer a ponte entre duas realidades quase incomunicantes.
Acho que me senti assim desde muito pequena. No livro “As 7 maravilhas do mundo” do Circulo de Leitores era sempre a imagem do Colosso de Rodes que mais me impressionava, ficava horas a olhar para ela.
Senti sempre que tinha de fazer a ponte entre o mundo organizado, rotineiro, moralista, antigo e das conversas de chacha, das pessoas medíocres, das anedotas xenófobas, dos comentários pequeninos e o meu próprio mundo.
Durante muito tempo senti-me assim, e não o digo com orgulho pois durante muito tempo senti que estava dividida e ás vezes desestruturada, outras vezes não sabia de onde vinha aquela minha visão do mundo nem porque pensava ou sentia daquela forma.
Depois descobri alguns pares e aí comecei a sentir que fazia a ponte entre um mundo "mais normal" e outro mundo mais sensível mais profundo mais questionante. Também me trazia bastante angustia pois tentava permanentemente trazer a compreensão para ambos os lados.
Há pouco tempo uma amiga ao ver-me numa situação particular chamou-me a atenção com um comentário (como só ela tão assertivamente sabe fazer) e disse: "Epá estavas com um ar tão vendido, tão próprio”.
Fiquei lixada, depois surpreendida, depois revi-me totalmente naquelas palavras e fez-se um click, e pensei “realmente para que raio tenho de ser tão formal e impingir-me a mim própria estes papeis?”
Agora, olhando para trás, sinto que realmente me estou a cagar que finalmente sem me dar conta optei pelo lado B do vinil. Sinto que parei de virar o disco no prato e que as músicas que passam no lado B apesar de menos conhecidas e mais dissonantes são as que melhor sei trautear e que as posso trautear onde bem me apetecer sem que isso me desestruture.
Também me dei conta que já há algum tempo deixei de sentir a angustia de ter de fazer a ponte, de ter de permanentemente optar por um lado ou pelo outro.
Imagino que se eu fosse o Colosso de Rodes com certeza iria unir as duas pernas e cair de chapão no meio no mar e iria nadar muito muito até encontrar uma ilha, e nessa ilha toda a gente iria falar uma língua parecida com a minha ou pelo menos nos iriamos entender muito bem.
Acho que no fundo o que aconteceu foi que deixei de ter lado.

3 comentários:

Sra D. Susette disse...

Só-Dona Celeste, muito me congratulo por encntrá-la aqui deste não-lado do vinil.
Que bonita posta, a sua.
Vem mesmo de dentro do coração.
São estranhos e sempre misturados de muita coisa estes "travellings" que de vez em quando fazemos sobre as nossas vidas.
Calcorreamos este mundo sempre com a nossa própria História às costas, tantas vezes parecendo uma carga de peso inútil, mas depois... ah!ah...! Afinal, estas cenas que ando para aqui a carregar hà séculos, sempre vieram a dar jeito para a viagem...
Um grande, grande abraço, minha querida.

Sra D. Aurora disse...

Só a senhora não via o que era evidente para todas nós. Ainda bem que abriu os olhos, minha querida amiga. É que estavamos aqui todas a falar consigo na nossa língua e a senhora sempre a querer ter os olhos fechados. Agora já pode ver o que apenas intuia.

Sra D. Pilar disse...

Reconheço-me nessa sensaçao, numa eu que fui há alguns anos atrás. E às vezes ainda me continuar a ser dificil aprender a ser eu propria em todos os lados.

(fui ver ao google o que era o colosso de rodes, obrigada por aumentar a minha cultura geral, fiquei impresionada com uma imagem em que ele estava nú e passava um barco com um grande espigao mesmo por baixo dele)