quarta-feira, 10 de novembro de 2010

País relativo

País Relativo,
País por conhecer, por escrever, por ler...
País purista a prosear bonito
A versejar tão chique e tão pudico,
Enquanto a língua portuguesa se vai rindo
Galhofeira, comigo.
....
país engravatado todo o ano
e a assoar-se na gravata por engano.
....
País amador do rapapé,
do meter butes e do parlapié,
que se espaneja, cobertas as miúdas,
e as desleixa quando já ventrudas.
O incrível país da minha tia,
Trémulo de bondade e de aletria
Moroso país da surda cólera
Do repente que se quer feliz
...
País do eufemismo, à morte dia a dia
Pergunta mesureiro: - Como vai a vida?
País dos gigantones que passeiam
A importância e o papelão,
Inaugurando esguichos no esgonço
Do gesto e do chavão.
E ainda há quem os ouça, quem os leia,
Lhes agradeça a fontanária ideia
...
Nhurro país que nunca se desdiz.
...
A Santa Paciência, país, a tua padroeira,
Já perde a paciência à nossa cabeceira
País pobrete e nada alegrete,
Baú fechado com um aloquete
Que entre dois sudários não contém senão
A triste maçã do coração
País das troncas e delongas ao telefone
Com mil cavilhas para cada nome
...
Embezerra país, que bem mereces,
Prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.
...
Estrela trepa trepa pelo vento fagueiro
E ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.
Hexágono de papel que o meu pai pôs no ar,
Já o passo a meu filho, cansado de o olhar...
No sumapau seboso da terceira,
Contigo viajei, ó país por lavar,
Aturei-te o arroto, o pivete, a coceira,
A conversa pancrácia e o jeito alvar
Senhor do meu nariz, franzi-te a sobrancelha;
Entornado de sono, resvalaste para mim.
Mas também já me ofereceste a cordial botelha,
Empinada que foi, tal e qual clarim!
A. O'Neill

Sem comentários: