quinta-feira, 12 de agosto de 2010

a minha família - Um

Avós F. e T.

O meu avô fazia "tsst, tsst" e abanava a desaprovadora cabeça quando o da carpete no peito (o Ramos, acho) ou o um Fábio qualquer beijavam ardentemente na boca a sua consorte da novela. Se a coisa demorava mais tempo do que o seu traquejo moral abarcava, bufava entre dentes "caramba!" , "ó senhores!" ou "que porcaria".
O meu avô teve uma carreira árida de séria na guarda fiscal e chegou a sargento. Periodicamente lavava e polia o seu kadett (mais tarde, o corsa) no nosso pátio do alentejo, nas férias, ou ao pé de casa, por trás dos prédios do j.pimenta, durante o tempo de trabalho. Fazia-o meticulosamente com uma camurça, de blújines, que era assim que se dizia, e camisola interior de alças branca, mostrando as peles dos braços mais flácidas de ano para ano.
O meu avô usava uma mariconera com uma pega, do tempo em que ainda não tínhamos maricas em Portugal, logo provavelmente comprada na Espanha.
Quando a minha avó arriscava um prato um pouco diferente (inspirada pelo Silva da Teleculinária) ele dizia "Olha...gostei mas ... sabes que mais? Podes não voltar a fazer". Não era visivelmente uma ordem, quase nem se percebia que era uma repressãozinha. É que o meu avô não gostava nada do desconhecido. Gostava mesmo era de pescada cozida.
Nunca vi os meus avós envolverem-se num toque ou beijo, por fugidio que fosse, e morei com eles 10 anos.
Há pouco tempo, vi uma fotografia antiga dos meus avós numa excursão e olhei para a minha avó, à esquerda daquele homem recto, mais larga do que ele, com uns óculos muito feios e alguns pêlos na cara. Pareceu-me uma não-mulher, receosa e frígida, uma carne grande e cheia de medos, sem prazer, a esposa travão do sargento de pouca imaginação.
Sensualidade zero no T2 de subúrbio que me calhou para a infância. E um forte cheiro a azeite.

A história continuará.

2 comentários:

Sra D. Susette disse...

Amiga,
felizmente "a história continua" até hoje connosco a modificá-la!
Também a minha Avó Celeste tinha os braços flácidos com umas carnes e peles pendentes a que ambas chamávamos de "molinhas" (molinhas de "moles" e não de "molas") com que eu adorava brincar, dando-lhes palmadinhas ora de um lado, ora do outro.
Só mesmo uma criança para achar os braços flácidos de um avô, neste caso avó, divertidos...!
Tome um grande beijo, Sódona de Sensualidade 1000.

Sra D. Aurora disse...

Ai Sra D Yvette, onde estaria a sensualidade acima de zero no t-qualquer coisa da minha infância? Penso, penso, e o que descubro também não é grande coisa. Estou a ver que isto só desemburra com uma posta fresquinha para a mesa do canto.
(obrigada por me ter posto a pensar, querida amiga)