sábado, 13 de fevereiro de 2010

Por falar em pais........

Se quero dar um nome ao meu esse nome será ausência.
Ausência e espera.
A ausência sempre foi a presença do meu pai e como a ausência é vazio o vazio tem de se preencher, preencher com sonhos, com viagens, com carinhos, com segredos, com cumplicidade.
Quando não se conhece verdadeiramente uma pessoa imagina-se como ela é.
O meu pai foi para mim, durante muito tempo, um intelectual de esquerda com toques de terrorismo e panfletos, reuniões secretas e metralhadores escondidos no blusão, um verdadeiro conspirador no pós 25 de Abril.
O meu pai durante muito tempo para mim, teve barba e fumava muito, bebia cerveja e usava blusão de cabedal, tinha o cabelo aos caracóis e era magro e lindo de morrer.
Esperava sempre pelo verão onde iriamos acampar numa praia qualquer da costa alentejana só os dois, eu e ele, ele a contar-me as suas aventuras e eu pequenina a sentir-me protegida, amada e a construir uma alma rebelde herdada por ele.(isto nunca aconteceu)
Esperava ansiosamente por todas as 5as feiras que era o dia em que comia-mos arroz de pato ao almoço.
Esperei anos que ele deixasse a sua nova familia para se juntar a mim, ele próprio me disse um dia “Estou farto! Um dia divorcio-me e vamos viver os dois.” (com o teu irmão (esta parte era secundária)). E eu acreditei, acreditei tanto mas tanto tanto. Finalmente iria ter o meu pai só para mim. Iria partilhar a vida com aquele homem bonito, arrogante, inteligente, que percebia imenso de música e tinha um espirito rebelde.
E eu? Eu iria ser igual a ele, e ainda melhor, iria ser ainda mais independente, ainda mais inteligente ainda mais culta, ainda mais qualquer coisa, porque no fundo eu queria ser como ele.
E porquê? Simplesmente porque queria que ele gostasse de mim.

Agora olho para trás e vejo que ele nunca esteve lá, que me baseei em factos soltos, em fotografias antigas, em esperas que tinham de ser preenchidas com imaginação e que vivi sempre com a esperança de termos uma vida comum.
Agora olho para trás e vejo que a minha esperança morreu aos poucos porque ele nunca deixou a família, nunca foi tão infeliz como dizia nem nunca me incluiu como eu merecia.
Agora vou de vez em quando jantar lá a casa e existe uma paz semi-podre, um silêncio do passado que não pesa mas se sente.
Este é o meu pai, o pai que “tive” e tenho, um pai que foi todo inventado por mim.
Mas foi o que tive toda a vida e não posso deixar de acreditar que ele foi assim algures lá atrás, não posso porque então o que tenho é NADA.

1 comentário:

Sra D. Susette disse...

Ai, Dona Celeste, sempre o Pai a infernizar-nos a vida!
Tem sido a minha luta estes últimos anos. A emancipação não se faz sem tratar do estafermo do Pai. E de outras coisas. Tanto assunto a tratar, credo. Tanto. Uma mulher ás vezes não chega pra tudo, por mais forte que seja. E olhe que nós temos um cabedal e pêras.
Por isso, agachada junto a si no lôdo da trincheira, a abraço e a beijo no lugar mais profundo, mais silencioso, e mais bonito, do seu coração.