quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Copo D'Água - Tempestade

 
Falta de paciência para festas. 

Estou hoje reduzida a uma mulher em estado-de-sítio. Tufão de ideias espalhadas à pressa sobre a superfície ténue da identidade.

Rodeada de estranhos bem dispostos e um pouco hipócritas. Pessoas que não conheço.

Apesar disso nunca me falta conversa circunstancial entre folhos e gesticulações exageradas.

Mas a luz mais bela brilhou sobre o horizonte do mar devorado pela penumbra, 
E de seguida um imenso jogo de luzes artificiais para afugentar o medo coletivo do silêncio

Balançando como um pequeno barco ao longe esquecido no escuro da tempestade.

Nuvens de perfume e suor misturam-se entre-portas - Lá fora o chão é varrido impiedosamente pelo vento litoral

Crianças transpiradas gritam e correm e comem e escorregam e choram e comem novamente 
As paredes forradas a cortiça absorvem as vozes das pessoas.

E os homens comem e comem e bebem e empanturram-se e engasgam-se e engolem e limpam as beiças a guardanapos de papel minúsculos.

Casamento caro e sobrevivente.

Finalmente  serão as crianças a partir tudo exalando um odor ténue a comida e fezes, e rebentarão todos os balões da sala
E arrancarão sôfregas os cortinados e toalhas e farão uma fogueira com os nossos corpos e cuspirão e cantarão e correrão saltando e gritando e despindo e pintando, olhando com espanto alienado o resultado monstruoso das suas ações.

domingo, 28 de setembro de 2025

A Palmeira


Há uns anos fui passear ao jardim Botânico tropical de Belém.
Olho para esse Verão e o meu olhar enche-se de uma luz amarela quente, mistificada pela nostalgia de qualquer coisa muito anterior ao Verão, já que, esse, foi passado à espera do que nunca chegou.
Deitada, dia após dia, sobre a areia, observando a pele tingir-se lentamente.
No canto da praia, abraçada pelo anfiteatro das rochas olhando o mar,
chorei ao sol de uma forma que jamais julguei ser possível, entre as pessoas.
Vivi nesse jardim de plástico velho e beatas secas enterradas na areia, esperando.
Dormitando, chorando, bebendo cafés.
Mas no meio do jardim uma palmeira radiosa, cujas ramagens pesadamente floridas flutuavam na corrente invisível do ar marítimo de Belém.
Como quis ser essa palmeira tão intensamente harmoniosa, resplandecente.
Hoje, sinto-me mais próxima  daquele jardim, rodeada de espécies ligeiramente exóticas e silenciosas, retirada da agitação bacoca do asfalto e das novelas tontas dos humanos.