terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Dentro


Uma aranha percorre a superfície interna do meu corpo. A pele retesa-se produzindo pensamentos aracnídeos. O cérebro arrota imprecações inúteis.
Estou reduzida a este animal esquelético e invisível, tela cómoda de narrações dramáticas, inúteis.
Espinha quebrada, silêncio, luz.
Nunca pensei um dia ansiar tanto pelas visitas da família. Velhos conhecidos parecem-me cada vez mais velhos e menos conhecidos.
Como peças de roupa que usei em tempos  numa festa e me parecem hoje tão descabidas e absurdas.
Serão os factos da minha vida não mais do que um conjunto de coisas fora de moda. Uma sucessão de ideias que vão perdendo a força de estação em estação.
Às vezes fico assim no sofá a pensar nisto. Como uma velha sentada no cadeirão do lar à janela, olhando o vazio. As horas e os dias e os meses e os anos e as décadas passam como séculos num dia.
Eterno presente em cujo cadeirão me afundo sulcando esta forma incurável de estar viva e de morrer e de estar viva.

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