sexta-feira, 7 de maio de 2010

ôje


ôje

Há dias estranhos como o de hoje.

Neste país, que é ainda o meu e que nunca o foi, o dia nasceu cinzento.

Os dias nascem como são para ser, vaticinados, sem progressão, sem diferença. Uma amálgama de algodão cinza com uns laivos azulados impotentes.

Penso em tudo ao mesmo tempo sem me segurar a nada.

O meu maior desejo neste momento (se é que tal existe na calma e desenfreada concorrência de desejos dentro de mim) é reunir. Reunir as coisas, os papéis, escritos antigos e escritos não escritos, reunir a intenção. Reunir-me com os amigos, com Portugal e, já agora, se der, reunir-me a mim.

Não encontro posição e tudo parece estar suspenso, à espera.

Penso em todas as terras onde andei e em todas onde nem sei que vou andar. Nas palavras, sentires e copos vazios deixados por esse mundo fora. Não sei bem o que fazer com tanta memória mas não a quero ver a tapar o porvir.

Penso muito em vocês, abrigadas, e noutros e noutras menos abrigados mas a precisar do mesmo.

Penso no que me contam quando vou à terra e na estranheza de sair e entrar dessa história, tentando sempre fazê-lo como se nunca dela tivesse saído, o que é verdade e também é mentira.

Penso em conversas tidas com a sódona Pilar e outras sódonas amigas desta vida sobre a e/imigração.

Penso no que todas estas milhas com os senhores da easyjet (e mais raramente da Britsh) irão deixar em mim.

E ao mesmo tempo, penso na borbulha que tenho no queixo, no que será feito do trance progressivo que me empurrou algumas noites sem fim e a que horas vou à natação. E, e, e.

As questões sobre o sentido da existência agitam-me no quotidiano, tal como os recibos verdes me entram no existencialismo. E entretanto, às vezes lavo a loiça.

Penso no Zé Mário Branco, no FMI, no Mário Viegas e na conta do gás.

Vejo as imagens da Grécia em revolta e os conservadores a ganhar lugares no parlamento em Inglaterra. Ouço dizer que Portugal vem a seguir e vejo o meu país numa lista de ratings, palavra essa que nenhum agricultor que recebeu subsídios para não produzir, deveria ter de perceber.

É tudo confuso, é tudo muito.

É tudo pessoal mas também é tudo político.

Perfilam-se à minha frente opções, escolhas, decisões, hipóteses. E ninguém me vai dizer o que fazer, ah pois não! É que em mim ninguém manda. Mas, foda-se, será que não mesmo??? E se sim, como se faz, para ser cada vez mais livre?

E se eu acreditasse no papa (ou no papá), na virgem de Lourdes, no PS ou no PC, no tarot, na bola, na minha mãe ou no Camané? Só de vez em quando, só um bocadinho. Só para descansar de tanta opção...

E como se faz para se dizer o que se pensa? E, ainda antes disso, para se saber o que se pensa? E para não encarneirar?

E isto tudo a rir, porque é assim que deve ser. E porque a vida é uma aventura boa e eu não queria outra que não fosse a minha, quanto mais não seja porque não haveria de saber o que lhe chamar.

5 comentários:

Sra D. Aurora disse...

Sra. D. Yvette, bons olhos a vejam por aqui. Tinha saudades das palavras que ainda não tinha deixado neste abrigo. Agora já passaram.
Ôje é tramado mas muito bom, tanta coisa que se leva dentro na aventura boa de que fala com tanta pontaria. Posso assinar por baixo?

Sra D. Pilar disse...

ai sodonayvette, até me fez sair (mais um) suspiro. reunir reuir reunir, era o que eu também quria principalmente a mim mesma. Um grande abraço e bem vinda seja por este outro abrigo

Sra D. Pilar disse...

ai sodonayvette, até me fez sair (mais um) suspiro. reunir reuir reunir, era o que eu também quria principalmente a mim mesma. Um grande abraço e bem vinda seja por este outro abrigo

Sra D. Susette disse...

Só-dona Yvete!
Que bom encontrá-la. É sem dúvida a sua voz. Inconfundivel.
Quantas vezes não caminhámos já ao longo destas palavras, pelo fio da noite, ou ao longo da corda grossa e tisnada das tardes do nosso Verão.
Querida dona Yvete.
Por tudo, absolutamente tudo ser político, eu acredito que é por dentro, o mais pequeno e escondido do nosso dentro, que temos de começar.
E para isso vamos sem nada, de mãos a abanar, quer dizer: Só com aquilo que realmente temos.
Eu acho que está a ir - a vir!- na direcção certíssima.
Receba um grande abraço, amiga querida.

Sra. D. Celeste disse...

Querida, querida Sra.D.Yvette
que bom lê-la.
que sinceras palavras e tão suas, e também, com que eu tanto me identifico. Assino, subscrevo e faço da maior parte delas as minhas.

e já agora..
Não custou muito pois não?
sente-se mais aliviada?

para si aquele (apertado) abraço